Carta a Álvaro de Campos
 
 
 
Mentiste-me, Álvaro. Teu ridículo foi somente literário.
Passaste pela vida como um príncipe, cabeça erguida
Cigarro entre os dedos, na mão um copo de absinto
Teus fiéis bajuladores e tuas mulheres à tua volta
Derramando pelas ruas, praças e mesas de bares
Lágrimas existentes apenas em tinta e no papel.
Portaste o Terceiro Grau* em total ignorância
E juraste lealdade ao seu infame estandarte*
Como se fosse ele um galardão de vitória.
Não. Isso não te dá direito ao ridículo.
Isso é matéria-prima do que venceu.
O ridículo, Álvaro, me cabe a mim
Que estampei o proibitivo Nono
Rangendo os dentes e odiando
Desprezando a sigla infame
Mas dobrando-me ao amor.
Ridículo é dançar ao som
Dos tambores inimigos
Por dilacerante amor.
Ridículo é saber-se
Errada, em grades
É cair de joelhos
Perante o nada
Subserviente
À ignomínia
Vender-se
Ao inútil
Aceitar
A sós
O vil
Por desesperado amor. Isto é ser-se ridículo.
O resto, Álvaro? O resto é apenas Literatura. 
 
*nota: III grau da Sacred Order of the Golden Dawn, uma Sociedade esotérica secreta. Segunda nota - o símbolo dessa Sociedade se assemelha à cruz nazista. Vide foto.

 
 

Fig: Fernando Pessoa e o símbol da Hermetic Order of the Golden Dawn

 
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 08/11/2016
Reeditado em 02/04/2019
Código do texto: T5816893
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