Cicatriz - Raul Franco
algo em mim morre
pra nascer outra coisa
de uma outra forma
sinto-me renovado e durmo
mas quando acordo quero tudo de volta –
a força, o brilho, a língua solta
até a angústia e a revolta
sigo derrotado pelo peso da história
sou o coma profundo do amor violentado
e não entendo o que passa
agarro-me aos santos que foram quebrados
busco um pouco da minha fé esquecida
cato os ossos que sobram depois da carne morta
jogo tudo fora
não quero reinventar o que antes fora febre
quero deixar o espírito entregue ao mistério
descansa em paz a minha fúria
abandono a minha estúpida juventude
e proclamo a exumação daquilo que me mata
não quero, não aceito essa nova morte
não mereço esse açoite
preciso da força dessa esperança
que tinge de azul os meus dias
mas ela não vem
então, caio no chão como um fiel vencido
espero a chuva e toda a possibilidade de renovação
e que nasça a lívida certeza de que tudo passa
ficando a cicatriz como recordação