Minha agonia

Eu num certo dia

Numa hora indecisa

Encontrei-me

Com minha agonia...

Eu vinha por uma estrada

De árvores e seres e luz vazia

E a vi sentada à beira do caminho

A olhar para os confins da noite fria...

Ela tinha o meu rosto,

Cada rosto que tive um dia

E seu corpo era semitransparente

Mas que imitava o corpo da gente...

De longe eu a avistei

E seguir em seu rumo,

O único lugar não escuro

Que vi

Que encontrei...

Ela estava com um olhar

Perdido

E parecia esperar-me,

E talvez tenha sido

Ela a bolar toda essa

Situação anormal...

Eu caminhava

Mas não me aproximava,

E parecia às vezes de repente

Que nossos rostos estavam

Rentes, porém,

Num mesmo instante,

No momento mesmo de falar

Tudo ficava por de mais distante...

Eu tentei a todo custo

Aproximar-me

E tentar desvendar

Algumas coisas que sentia

E sinto, que só ela,

A minha agonia

Poderia me explicar...

Queria primeiro saber

Por que me segue aonde vá,

Queria saber sua razão de existir

Por que me fecha os olhos

Ao sol,

As nuvens,

As raízes profundas

Das árvores centenárias...

Por que não posso fazer

O que penso em fazer

Por que ela me impede de ser

O que sei que sou

Mas que não consigo ser

Exatamente por ela existir...

Queria olhar para ela

E pergunta-lhe

Por que existe...

Por que não se desfaz

Como fumaça

E me deixa ver os verdadeiros

Raios solares...

Era como num sonho

De impossível aproximação

Eu pensei em gritar,

“Ei você aí, pode me ouvir?”

E gritei, várias vezes,

Com um desespero crescente

Eu a chamei...

Mas parecia que ela não me ouvia,

E virava o rosto pro outro lado,

Como se tivesse consciência de mim,

Como se eu fosse um mal a ser evitado...

Mas eu via ser rosto

Com incrível nitidez

E estava certo de que

Aquele rosto já tinha sido meu

E me senti ludibriado,

Alguém se apoderou de algo

Que em meu subconsciente se perdeu...

Mas era a minha agonia

E eu por mais que pudesse,

Não consegui odiá-la,

Não, estranhamente,

Senti vontade de beijá-la

E de lhe dizer que estava ali,

Que ela poderia se levantar,

E sair da beira do caminho

E seguir... E entrar em mim,

Eu meu coração, onde

De vez em quando a sentia,

Como um visitante,

Como um estrangeiro que nunca

Deixa-se conhecer...

Mas ela me pareceu

Com dificuldades,

Da distância de onde a observava,

Assim mesmo sem trocar palavras

Eu a pude compreender

E senti seu sofrimento

E percebi que ela não podia andar,

Que era aleijada

E que por isso não saia dali

Da beira do caminho...

Em um dos meus gritos alucinados

Ela virou seu rosto lívido

E branco e fantasmagórico

E vi seus olhos completamente brancos,

E então entendi

Que ela não contemplava a paisagem,

Mas apenas as que eu podia inventar

Através dos sonhos que posso ter,

Percebi tristemente sua cegueira,

E sua fraqueza me comoveu...

Não sei como

Mas num momento em que via seu rosto

Bem próximo de mim,

Estendi-lhe a mão

E toquei sua matéria leve e fria...

Ela então apertou o meu pulso

E falou com uma voz inenarrável,

“Eu esperei você por anos...”

Sua voz parecia a de muitas pessoas

A falar todas de uma vez,

E eu tive medo,

E me arrependi de ter desejado

Que ela entrasse em mim,

Mas era tarde...

Senti se tornar frio o lugar

Em que me tocava

E aquele frio foi se espalhando,

E tomou conta de mim

Enquanto eu dizia,

“Não! Não! O que está a fazer?!”

E ela mudou de cor

E abriu seus olhos brancos

E me beijou

E entrou seu corpo etéreo

E se alojou em mim,

Assim, como mágica transcendente,

Ela fez morada em mim,

E cria minhas solidões

E extravasa por vezes

O meu indecifrável coração...

Depois o dia amanheceu

Mas fiquei cego para muitas coisas

E sei que o cego não sou eu...

Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 24/12/2006
Reeditado em 28/12/2006
Código do texto: T326691
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