Aquela Flor
Olhei pela janela,
Vi uma flor,
Única naquela primavera,
Como me impressionou.
Não tirava os olhos,
Eu dentro daquele quadrado,
Era algo hipnótico,
Desejar que nunca tivesse terminado.
Delicada diante da brutalidade mundana,
Ela também é do mundo, isso eu sei,
Mas de uma mundaneidade menos ufana,
Uma forma do mais bela que já desejei.
Movimentava-se com leveza,
Seria essa a insustentável leveza do ser?
Ignorando o peso de Parmênides com sutil natureza,
Naquele momento senti um prazer imenso em viver.
Imaginei o mundo ao redor dela,
Que nem me dava conta,
Micro organismos na pequena floresta,
Jardim de paisagem profana.
Me faço de intrometido,
Bisbilhotando o menor paraíso,
Serei eu aquele anjo caído,
Que aqui penetra com vis motivos?
Mas a florzinha está lá,
Feito uma Eva inocente,
Penso logo em rapta-la,
Rapinagem inconseqüente.
Mas porque só?
Onde estão as outras?
Tiveram destino pior?
Submetidas a funesta força?
Talvez esta seja soberana,
A primeira orgulhosa,
Uma Lilith que se adianta,
Dominadora faustosa.
Me seduz com gestos simples,
As pétalas balançam,
Balé que parece um convite,
As outras plantas também dançam.
Invejo o pássaro que aproxima,
Vai tocar, alimentando-se dela,
Acaba desistindo, o intruso alado vacila,
Agora me sinto em situação mais privilegiada.
Da distância que me encontro,
Sou privado do aroma,
Degusto a estética deste cômodo,
Alcançando num sentir que emociona.
Reparo uma pétala ao fundo,
Já seca, despenca em câmera lenta,
Perdi essa fração do mundo,
Irá decompor entre a vegetação grudenta.
Um pedaço meu foi junto,
Arrancado com mais fúria,
Ainda toco os pulsos,
Sinto o ritmo do coração que pulsa.
Se aguardar o inverno,
A verei desfolhada,
Despedaçada num inferno,
Onde será depois renovada.
Renascendo com cores vibrantes,
Aberta a novos alados amantes,
Adepta ao sol que reluz ofuscante,
Compondo a paisagem delirante.
Meus lábios não chegam,
Para tocar suas pétalas macias,
Que todos nos esqueçam,
Sejamos essa simples harmonia.
Minha coluna enverga,
Imitando seu caule,
Fixo no solo minhas pernas,
Alegria que em mim não cabe.
As mãos nas laterais,
Simulam as folhas,
Abertas em despedidas usuais,
O sangue se faz de polpa.
Podo-me com faca afiada,
Desliza a seiva em rio,
A realidade se faz desgraçada,
Curvo diante do trágico destino.
Mas você, minha flor querida,
Continua resistente,
Em cada manhã estará soerguida,
Sepultando-me solícita e renitente.