As Chaves

As chaves fazem parte de nossa rotina,

Utilizamos de forma unitária ou em molho,

Às vezes serve de motivo para utilizar a fechadura,

Noutras desejamos que se torne apêndice de um ferrolho.

Carregamos este objeto enigmático,

Desvelador de segredos guardados,

Em dado momento assume sentido estático,

Alguns o perdem e dizem improprérios por considerá-lo famigerado.

Com elas trancamos os escritos de um diário,

Nos resguardamos do exterior ao nosso lar,

Nos interiorizamos como fiel celibatário,

Ditamos o que é ou não por um gesto que faz a chave rodar.

Promovemos o contato de ignição do veículo,

Também o tornamos sem vida ao desligá-lo,

Enigma guardião que age como eficaz feitiço,

Preservando o conteúdo sem exteriorizá-lo.

Alguns românticos diriam que guarda o coração,

Desejando os apaixonados dominar tal poder,

Em um preciso movimento de maquinal ação,

Adentrariam os recônditos do sentimento que desejam obter.

Os grandes artífices chaveiros seriam magos,

Dominando a arte de fabricar tais utensílios,

Mestres solícitos atendendo quem os tiver requisitado,

Grande demiurgo dos arcanos cíclicos.

De muitas formas são concebidas as chaves,

Variando conforme os modelos de encaixe,

Obedecendo uma mecânica que apresenta muitas faces,

Peritas em curvaturas que se travestem com infinitos disfarces.

Quiséramos que a vida se apresentasse da mesma forma,

Não foram poucos que imaginaram uma chave divina,

Transformando a natureza em ato simples de uma posição torta,

Interagindo e manuseando a realidade feito lógica frígida.

As chaves seguem o padrão da sociedade,

Copiam seus criadores humanos em distinção,

Favorecendo modelos complexos, feito demarcação de classe,

Mudam até a substância que molda raro padrão.

A chave determina a forma da tranca ou é ao contrário?

Aquele oculto orifício se rende ao item explorador,

Desvela seus mais íntimos segredos, tendo destino trágico,

Entregue aos dissabores de um arguto perscrutador.

Quantos mágicos serviram-se delas enquanto truque,

Modelos simulados que iludem o público,

Fechaduras enganadoras atraem atenções feito lume,

Tudo não passando de um entretenimento, deveras lúdico.

Quantos caixões não foram trancafiados,

Vivos apegados a idéia de controlar a morte,

Abrindo o além de modo inusitado,

Ou velando em definitivo o morto com delicado toque.

Os cadeados terão inspiração para encolher,

Desembrutecidos pela sutileza de uma chave menor,

Cadeias serão trancafiadas ou abertas por inesperado parecer,

Vidas reunidas ou separadas em função de uma autoridade maior.

Crianças se divertirão com chaves de brinquedo,

Falsários forjarão as suas para aplicar algum golpe,

Bancos guardarão finanças em cofres de segredo,

Também existirão adegas contidas para privar vulgares goles.

Épocas passadas serão relembradas,

Desde as portas rústicas de antigos castelos,

Até os cintos de castidade para donzelas.

Assim, resguardam-se os hábitos mais severos.

Não poderia faltar a associação libidinosa,

Onde a mulher se faz de fechadura muito apreciada,

Enquanto homens empunham suas eretas chaves prestimosas,

Desejosos em esquadrinhar os segredos íntimos da dama desvelada.

As chaves inspiram terror aos criminosos,

Ansiedade aos técnicos que irão acessar seu material,

Emoção em mistérios idealizados por ociosos,

Desdém aos que a tomam por profissão habitual.

Entrave em vista de quem não a burlou,

Alegria a quem ela serviu atendendo expectativas,

Signo de rituais esotéricos que alguém invocou,

Facilitador do acesso a inusitadas garantias.

Adereço usado como pingente,

Em certos grupos é peça de relicário,

No mundo trancafiado é fato vigente,

Tendo o seu manuseador como auspicioso dignitário.

Dadivosa relíquia que corsários adulavam,

Em nome de fortunas a serem encontradas,

Encantados pela esperança que nela depositavam,

Embriagados por devaneios que o mito da chave alimentava.

Dominante e de uma funcionalidade que serve como meio,

Sendo fim em sua posição de elo,

Adestrando os afoitos em destrancar os obstáculos que servem de freio,

Facultando neófitos a abandonarem seu absolutismo cético.

Enquanto o oculto existir elas serão alimentadas,

Povoando de forma viva o imaginário,

Preciosas pela magia em dismistificar superstições encontradas,

Compondo um sofisticado corolário.