O Olhar

Aquele olhar me fascina,

Sem poder explicá-lo,

Sinto como me anima,

Parece de sentido aprofundado.

O brilho que os olhos transmitem,

Reluzindo uma realidade aparente,

Refletindo minha própria imagem,

Ora fazendo-me triste, ora contente.

Olhar repreensivo em dado momento,

Noutros de júbilo transparente,

Em certos casos provoca tormento,

Algumas horas é fuga de um estado dissolvente.

Faz o tempo parar ou antecipar,

Permite sentir inquietação,

Entende sem que precise falar,

Possui sentido velado de emoção.

O cruzar de olhares desconcerta,

Cria hiatos ou mesmo elos,

Abala o corpo, que oblitera,

Manifesto até na falta de olhar dos cegos.

Mas o ato de olhar difere da visão,

O primeiro é movimento romanceado focado,

O segundo, fisiológica condição,

Criando dualidade de percepção.

Olhar é tomar pra si como realidade absorvida,

Ver é ser supreendido pelo que há,

Mas o que há não passa de impressão sentida,

Logo, ao sujeito, a diferença caberá.

Perder-se na simulação de uma retina,

Entre um abrir e fechar de pálpebras,

Com o leve respaldar das celhas,

Sem deixar de mencionar as esclera e córnea.

E quanto a coloração magnética da íris,

Impulsos transmitidos pelo nervo óptico,

A tranparência do cristalino como se transmitisse

Esta impressão da pupila como algo estóico.

Tenho a referência do fato ocular,

Permeado de um eufemismo vulgar,

Proezas da mente que abstrai para adulterar,

Não comportando a lógica anatômica singular.

O resto do organismo responde ao estímulo,

Inspiração aos afeitos à fantasia,

Momentaneamente tidos por ridículos,

Por aqueles que tendem à apostasia.

No olhar das crianças enxergamos a inocência,

Talvez seja nossa ignorância em perceber a malícia,

Contida no mundo infantil de indiferença,

Onde desfrutam um despertar empolgante para a vida.

Existe o olhar chamado frio, do assassino,

Na verdade é aquecido pela barreira ao alheio,

Devastando os que sentem-se coagidos,

Alimentando-se do mais leve desespero.

O olhar dos amantes exalando prazer,

Seduzindo docemente o corpo excitado,

Permutando sensações de êxtase,

Criando apegos incontidos, apaixonados.

Olhar paterno, feito algumas vezes de machismo,

Dominador doméstico de uma tradição paternalista,

Ou a famigerada docilidade materna de conformismo,

Mas a sociedade modifica-se e altera o estado de aporia.

Existe o olhar cético, que procura não crer no que vê,

O questionador que não percebe acreditar na dúvida,

Próximo do dogmático imaginando predizer,

Ambos sofrendo de ilusão por uma verdade de angústia.

Olhar de outros animais, onde buscamos analogias ao humano,

Seja dos domésticos ou selvagens que imaginamos conhecer,

Mas que na verdade apenas seguem a lógica do instinto,

Sem nossas anátemas de racionalização para tentar compreender.

O pânico das vítimas, seja de uma guerra,

Onde todos estamos cientes de sermos responsáveis por todos,

Ou a tristeza que causa a penosa doença,

Quando o corpo demonstra vivamente a presença da morte no jogo.

Olhar simulado, visto naquilo criado,

Arte de imitação da natureza humana,

Percebido e sentido, mesmo representado,

Identificação sui generis que o ser demanda.

Olhar fetal, gênesis do desenvolvimento,

Compondo uma das extremidades,

Assim como, o olhar idoso do fundamento,

Fechando mais um ciclo de descontinuidade.

Alguns comentam sobre um olhar divino,

Parece-me mais que estamos diante de deuses cegos,

O mundo material não precisa de mitos,

Nós precisamos por presunção de um logos eterno.

O olhar do humorista que provoca contentamento,

O mágico que dissimula e cria espetáculos,

O ator que dramatiza por profissional entretenimento,

Os conflitos de olhares misturados.

Olhares sumidos, como os que se abstém ao rezar,

Do suicida por não mais conceber necessidade em viver,

Os mentalmente perturbados com insano pensar,

Outros em estado de coma profundo, a ponto de fenecer.

Um olhar diante do primeiro beijo,

Para logo depois fechá-lo, quando sentir o gosto,

Olhar da criança quando apanha, de medo,

Depois da fúria na surra, o arrependimento.

Olhar curioso em busca de novidade,

Olhar de marasmo pelo cotidiano,

Olhar intrigante sobre excentricidades,

Olhar desleixado se desinteressa aos planos.

Existe o olhar no momento do nascimento e da morte,

Olhar cadavérico de algum conhecido defunto,

Olhar a si mesmo diante de espelho por hipnose,

Ou tentar olhar pra dentro de si, universo abissal profundo.

Alguns chamaram de espelho da alma,

Nem creio existir este anima mítico,

Por isso fico nas impressões de causa,

No máximo um resquício de devaneio onírico.

Quantos olhares terão se perdido ao longo do tempo?

Quantos encontrados para depois desaparecer?

Será que um dia alguma vaga noção desse mistério teremos?

Ou nossa cegueira é o mais próximo que poderemos ter?

Cegos, ainda olhamos por efêmeras impressões,

Mas quando cessa o olhar, deixamos de existir,

Nada mais resta por nos faltar o sentido de apreensão,

Cabendo ao até então olhado, exinguir.