O suicida, o louco no supermercado e um poema repetido...

3 – Um poema repetido

Si ne qua non

Em casa de meu pai não se põem versos.

Em casa de meu pai se põe feijão, arroz

E pimenta “braba”.

Lugar de verso é em bordel, botequim,

Biblioteca. Não em casa de meu pai.

Em casa de meu pai não se põe

Olhos nos olhos.

Lá minha mãe criou asas.

Botou versos espalhados na rinha da vida.

Mas os versos se espalharam na mágoa da lida.

Hoje, em casa de minha mãe, não se põem versos,

Nem músicas antigas.

Canções trazem saudades, outras abrem feridas.

E em casa de minha mãe nunca entra nostalgia.

Entra a roupa lavada, a música caipira

Que em casa de minha mãe,

Estripulia se acaba na cinta.

De modo que estou perdido, odeio e amo a poesia,

E no quarto trancado, um menino faz arte,

Sente-se culpado por gozar no caderno

Seu pranto lavrado,

Como quem se masturba ante imagem santa.

É o poema em forma bruta,

Quer fim e é céu, quer noite e é sol.

E não cabe em si, mas cabe numa folha de papel.