Pensamentos de Um Ateu

Andava sem motivo aparente,

Caminhando de forma despreocupada,

Quando de forma displicente,

Uma idéia surgiu de forma estouvada.

Pensei não saber o sentido da vida,

Nem a razão dela desfazer-se,

Compreendia que ninguém sabia,

Por isso deixei o pensamento arrefecer-se.

Apegando-me à ciência, tentava justificar,

Me recordando de lições orgânicas, físicas,

Tentando a uma vã filosofia mesclar,

Racionalmente descartando suposições místicas.

Ser ateu seria isso?

Ter resquícios iluministas,

Não crer, crendo nisso,

Imaginar com reserva racionalista.

Procurar fugir a certo anacronismo,

Homem cônscio do presente,

Não se apegando a esoterismos,

Apenas respeitando o que lhe escapa no inconsciente.

Inconsciente deveras conhecido,

Freudianamente falando, é claro,

Embora outrora reconhecido,

Por alcunhas outras do passado.

Cético talvez seja por filosofia,

Um pouco de cinismo para digerir a vida,

Tendo momentos com manifesta melancolia,

Nada que escape a condição da maioria.

Ainda restam memórias da cultura popular,

Alguns poderiam chamá-la de senso comum,

Creio não passar de nuances de olhar,

Todos habitando este mesmo local, denominado mundo.

Deveria eu focar em preconceitos?

Sei que os tenho, mas não transfomei

Em fanatismos exaltados,

Guardo-os como ato que insinuei.

Pensar neste planeta que nos acolheu,

Ou será que por compormos sua estrutura,

Somos outra parte deste que já foi deus,

Interagimos até diluirmos por espécide de ruptura.

Atribuindo-me algum epíteto, seria telúrico,

Demasiado humano em seus trejeitos,

Vivendo um real de momentos únicos,

Captando o que há por significado estreito.

Nada de ambições além do possível,

Os rituais cotidianos já satisfazem o mito,

Nada de enaltecer a natureza como incrível,

Vivo neste ecossistema como outro ser-vivo.

Ao crescer a imaginação infantil podenrou,

Sendo ainda imaginativo com euforia,

O abstrato não posso negar que perdurou,

Mas a maturidade deu ares de poesia.

Também me vejo refletido nos outros animais,

Talvez pela ancestralidade hominídea constatada,

Quero apenas compor a vida com meus iguais,

Paridade que a sociedade cria pela visão coletivizada.

Verdades não busco, embora as tenha,

Minha fé é científica, experienciada,

Fragmentada eu sei, mas opulenta,

Demonstração de intelectualidade concentrada.

E quanto aos deuses sepultados?

Me refiro ao ocidentalismo,

Com seu imaginário adulterado,

Apegando-se ao último suspiro de monoteísmo.

Observo as plantas através da Biologia,

As formas minerais parecem-nos indiferentes,

Gravidade agindo por apostasia,

Presa a uma física dominadora, entrementes.

O mistério se restringe ao acaso,

Alguma simples mudança varre a todos,

É desta forma o Universo, chamado Espaço,

Faz pouco que significa muito ao muito dos poucos.

Mesmo nosso corpo nos é estranho,

A Medicina que o diga, sábia ciência,

Através dela os crentes observam com espanto,

Que a fisiologia age sem divina interferência.

O tempo, humanísticamente criado,

Serve aos propósitos produtivos,

Trazendo a nós o sentido ocultado,

A morte se findará sob tutela deste observador passivo.

E os sentimentos de afeto, o amor romanceado,

Efemeridades de uma natureza híbrida,

Se tornam um dia anátema diante dos fatos,

Nem por isso vivo de forma frígida.

Alimentando-me, o destino das coisas eu percebo,

Ciclo de transformação material,

Além das doenças de que um dia feneço,

Sei que meu dever é transcendental.

A História demonstra um pouco do que fomos,

Somos e o passado serve-nos como herança,

Compreensão por gênese do que nos tornamos,

Inspiração que um dia seremos, enquanto lembrança.

A espécie resiste, transforma, Darwin percebeu,

Utilizaram a teoria como preconceito para dominação,

Mas há tempos travamos guerras, mesmo sem Ares como deus,

Destruímos a nós mesmos por política, economia, diversão.

Sexo então nem se fala,

Esse é o sentido do pecado religioso,

Disseram ser concupiscência,

Mas queriam domínio do corpo.

Crianças possuem a inocência,

Menos corrompidas talvez Rousseau dissesse,

Piaget clamaria etapas de consciência,

Creio em algo menos complexo, a criança simplesmente cresce!

Os livros apesar da mente fluir,

Me prendem por ser objeto palpável,

Sei que lendo as idéias irão fluir,

Desejando paro a leitura, por sentido inefável.

Posso me entorpecer, descumprir leis,

Nossa condenação é ser livre, disse Sartre,

Que me importa se algum deus fez,

Vivo despindo-me de desculpas como disfarce.

Comecei esta cadeia de pensamentos,

Já voltei a concentrar em meus afazeres,

Na próxima porta peço meu marmitex, R$5,00, talvez menos,

Daqui a pouco a comida será o maior dos prazeres.

Deitado faço a digestão sem pressa,

Tento me recordar do que pensei,

Continuo vivendo, isso que interessa,

O que é, foi, será, sem dúvida, não sei.