Poça D’Água

Caminhava não dando importância à realidade,

Inesperadamente fui surpeendido,

Pisando numa poça d’água que se tornou entrave,

Não prossegui, estava contido.

Surpreendeu levantar o pé molhado,

As gotas pingando pelo excessso aquoso,

Sentindo molhar toda extensão do sapato,

Chegando até as meias de tecido sedoso.

Como descrever que estação era,

Nem me ative a tais pormenores,

O momento único me detivera,

Tomado por estes fluídicos horrores.

Quase me diluí na poça,

Extensão de minha própria matéria,

Idéias duma mente frouxa,

Consumida nesta atípica tragédia.

O pé desapareceu na água turva,

Penumbra refletindo o asfalto,

Orifício traiçoeiro da rua,

Acumulando líquido neste espaço.

Fundura rasa, não podendo engolir-me por inteiro,

Talvez aconchegante para astuto camundongo,

Com certeza animal de porte maior, eu creio,

Universo de micro-seres tornam este buraco longo.

Retirando o pé úmido, encharcado seria mais apropriado,

Desvelaria minha extensão inferior,

Outrora tragada pra outra dimensão do inusitado,

Amputado num fato de trejeito inquiridor.

Abruptamente sequestrado em parte,

Fragmentado ser vivente,

Cônscio da morte, única verdade,

Agora uma existência experiente.

Solapado no terror da ausência,

Impotente perante desintegração de uma meta-física,

Apático na sua inconsistência,

Covarde amedrontado por esta objetividade rígida.

Num momento sem pé, noutro de pé,

Imagem do que possuía, depois do desaparecido,

Desprovido daquela desculpada fé,

Esperança esmorecida feito fruto ressequido.

Não sendo fundo o suficiente,

Fez-me de regurgitação,

Expeliu-me amargamente,

Após revelar tal abominação.

Agora sinto-me divido,

Entre concreto e niilista,

Maleável em instinto,

Decomposto de vulgar alquimia.

Carregando umidade apreendida,

Misturada comigo,

Mesmo de forma fingida,

Sua presença eu pressinto.

Humano adulterado,

Tomado de caótico pânico,

Racional degenerado,

Move-se feito envenenado lânguido.

O raspar da sola do calçado,

Revela fricção estranha,

Resquícios fragmentários de asfalto,

Poça que prova ter artimanha.

Seca o sapato na manhã seguinte,

As lembranças ainda estão frescas,

Outras chuvas virão como chiste,

Fabricando inundações por crateras com destreza.

A que me surpreendeu deverá sumir,

Inúmeras outras povoarão os solos,

Sedentas pelo ato de consumir,

Forças vivas tridimensionais que ignoro.

Vales produzidos no cinza urbano,

Feridas expostas sem curativo,

Fossas recebedoras de humanos,

Poços emergentes e imperativos.

Mais do que proximidade material,

As poças aproximam-se do que somos,

Pela manifestação quase abissal,

Demonstrando o real frágil vivido e o nada que aguardamos.