RESIGNAÇÃO.

Boa noite, morte!

Estava à tua espera;

Sei que veio buscar-me,

Mas eu não me importo;

Não me importo se me levarás para teu mundo misterioso

E se me tiras desse mundo cruel,

Eu não me importo.

Olhe para os meus olhos:

Logo se fecharão para sempre, porém, eles não se importam.

Já viram o cúmulo dos horrores,

Mas também as sete maravilhas da vida.

Vejas a minha boca que mais tarde a calará,

Todavia, ela não se importa;

Já foi amordaçada pela opressão;

Tapada pela covardia;

E silenciada pela ignorância.

Também foi livre;

Falou verdades e mentiras,

Cantou, protestou, recitou poemas, assoviou...

Atentes para meus ouvidos

Que logo não ouvirão mais nada, no entanto, não se importam;

Já captaram sons e vozes de todas as espécies;

Ouviram palavras de ordem, de humilhação, de desaforos...

Mas também ouviram sábios conselhos

E sussurros arrepiante de soberbos lábios.

Sintas as minhas mãos que em instantes se cruzarão perenemente;

Entretanto, não se importam;

Já foram calejadas pela ferramenta de construção

E prestou continências;

Mas já tocaram e acariciaram a pele macia do rosto da morena

E bateram palmas, escreveram versos, prosas...

Repares o meu corpo que daqui a pouco,

Tu o imobilizará para sempre;

Todavia, não se importa.

Já foi cicatrizado pela violência;

Envelhecido e marcado pelo tempo,

Mas também já estremeceu de prazer

E deliciou-se de longos e extasiantes orgasmos.

Vê, D. Morte?

Não me importo de ir contigo.

Já vivi tudo que tinha direito:

Fui operário, Poeta;

Senti fome, dor, amei, odiei;

Fui humilhado, detestado, admirado,

Ri, chorei, pequei...

Vem, estou pronto!

Cubra-me com teu manto negro

E envolva-me em teu silêncio mortal,

Por que eu não me importo!