A Imagem
Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas... (Florbela Espanca)
I
Quando foste embora de repente
Beirei pelas fronteiras da demência,
Não sabia ser mais alguém contente,
Fiquei sem minha frágil referência
E lutei como pude contra o tempo,
Lutei para sair da estação difícil,
Mas era muito escuro o momento
E apenas via o grande sacrifício...
Refletia sobre isso sem parar...
Não tinha motivação para nada,
E Sentia varar-me uma espada
Que tenaz impedia o respirar.
Eu tentava andar pela cidade
E então via a alegria dos passantes
E chorava de modo angustiante
Sufocada por dores de saudades...
II
Mas surgiu outra noite em que dormia
Uma saída para minha aflição
Que de grande crescer já não podia
E ali veio quem um dia dei a mão
Estava dormindo na casa silenciosa
Aquela mesma em que felizes vivemos
E lá de baixo ouvi uma voz misteriosa
Dessas que ouvimos, mas nada vemos
Eu fui devagar pela escada enroscada
Na qual tantas vezes nos beijamos,
Na qual tantas vezes nós brincamos,
E que agora eu descia meio assustada
Olhei a espaçosa sala demoradamente
Analisei os objetos, nada mudado...
Parei diante de tua foto, muda, calado
Eu vi que ela estava muito diferente...
III
Não via mais teus olhos, teu nariz
Somente a silhueta ali se mostrava
E me senti por demais infeliz
Porque até assim me deixavas...
Me indagava sobre o mal que fiz,
Pois nem podia ver quem mais amava...
Segurei a cabeça desesperada,
Me invadiu o medo que tua lembrança
Dessa forma tabém fosse apagada!
IV
E voltei para cama em meu mundo
Lá pensando muito desacordei
E cansada dormir sono profundo
E foi naquela fria solidão
que em pé perto da cama te senti
A me olhar com grande comoção...
E como em sonho te encontrei,
Passou no meu rosto branco tua mão
E assim eu finalmente suspirei...