O Prisioneiro
Durante algum tempo foste
A poesia de minha vida
E eu te dou graças por isso!
Inundaste meu ser de sentimentos únicos
Que se abrigaram em minhas lembranças para sempre.
Eu vivo de cada um daqueles gestos
Raros que me ensinastes,
Cujo aprendizado, lento e contínuo, consumiu meu viver
Por dias e noites.
Eu te dou graças por isso.
É disso que vivo hoje.
Do que mais poderia viver?
O que mais é mais valioso que as lembranças que tenho?
Ali eu não sabia que o sentido de tuas palavras
Eram futuristas,
Que o tempo é que traria significados sutis
Para sentimentos desconcertantes,
Sentimentos perigosos,
Que tiram o sono e fazem enlouquecer
A quem, amador, não encontra um bom guia
Que o conduza pelo vale invisível que todos
Temos que trilhar.
Pobre de mim que não pude apreciar completamente
As coisas que dizias sem palavras!
Os apontamentos que paciente fazias!
Pobre de mim que entendi pelo avesso
As vezes que me deixaste cair,
As vezes que não mitigastes
As dores resultantes das aventuras
Nas quais escolhi me arriscar!
Às vezes penso,
Ali eu era um ser em aprendizado
Ao qual tudo se perdoa...
Mas isso adianta,
Muita coisa me escapuliu sem que soubesse
Que isso estivesse acontecendo
Hoje, quando vou dormi,
É com tua lembrança que adormeço.
A vida seguiu seu curso
E aos poucos foi me transformando.
Deixei de sofrer queimando
E aquilo que chamavas de loucura cega
Não está mais em mim.
Todavia não mudou o vazio que deixaste
Este continua a aumentar mais e mais
E se apossa de mim como um dos teus abraços
Que se constituíam em carinho extremo.
Nessas horas de misterioso sentimento,
Nessas horas de coração em chamas,
Letargicamente meu ser delira
E eu sinto este corpo como a se desfazer
Em matéria sem peso, composta de nada,
E de nuvens minha vista se encher
A medida que a realidade vai se transmudando.
Num painel fantástico recria-se
Uma vida que poderia ter sido,
E eu sigo vendo
Sem que possa desviar os olhos
Quando é grande a dor em relembrar
O que foi sentido profundamente.
Minha atenção é concentrada
Nas coisas perdidas
Como se um ser misterioso estivesse a me apontar
Tudo aquilo que não posso resgatar.
Esse ser misterioso que me mostra o mundo perdido
A me propor certos negócios
Cuja índole fere as integridades do ser humano
Com palavras sinuosas ele me cerca me mostrando,
"Olha alí, olha..."
E eu o escuto com tristeza,
Em tom de despedida,
A não querer mais ver e cansado de ouvir
Sobre a possibilidade de consertar certas coisas já distantes,
Dentro de realidades, de certas condições
Que esse ser, não completamente estranho, me propõe.
É difícil voltar desse mundo, sentir novamente aqui.
Não sinto vontade de voltar,
E lá ficaria se não fossem tuas palavras que tardiamente compreendi,
Elas aparecem nesse sonho como entes alados
Que fazem o outro tremer e fugir.
Ainda confuso, entre lá e cá,
Distingo uma palavra ou outra na voz plurissonora
Desses indivíduos fantásticos
Que parecem falar de uma época que virá
Em que todo vazio será preenchido
Em que o sonho será a dimensão em que se viverá.
É cada vez mais difícil perceber as coisas do mundo,
Não quero entender o porque de certas coisas,
Esse mundo desejo que seja a mim cada vez mais estranho...
O que há a fazer com o aprendizado do mundo senão esquecê-lo?
Acho que tenho caminhado nesse sentido
Após cada vez que o cansaço me leva até uma posição
Da qual posso saber que não estás apenas em minhas lembranças,
Uma posição da qual a verdade é mutante,
De onde posso ignorar um pouco mais esse mundo de ilusão
De ilusões que não são mais minhas.
Tu me ensinaste a diluir no líquido do tempo
O que não é bom lembrar,
E eu te dou graça por isso.
Falta pouco, creio que a hora dos sonhos lista se aproxima
E é nesta hora que vou te encontrar
Por que meu corpo aprendeu a viver sem ti
Mas meu espírito, que não envelheceu,
Isso não aprenderá
Durante algum tempo realmente foste
A poesia de minha vida,
Hoje és a poesia de minha alma,
De minha eternidade...