Poema sem fim

Estava sozinho e ia pensando,

Sem perceber,

Nas coisas da vida,

A querer entender

Os atos humanos,

Nossa maneira de ser.

Eu ia pensando

E num certo momento

Me veio a mente o verbo,

Amar.

No mesmo instante

Assim de repente,

Vi a estrada em que vinha

À matéria do tempo se juntar

E formar um caminho tão longo

Que, de se estender,

Não podia acabar...

E assim olhando vi o caminho

A pôr-se a meus pés,

Que o aceitaram sem nenhum resistir.

E eu fui pensando, pensando,

E ia andando meio perdido

Até que cheguei

Numa floresta sombria,

Que tinha um caminho,

Que convidava a seguir.

E já dentro comecei a ver

Coisas que se mostravam a mim,

Algo como os sonhos que tive,

Imersos numa época remota

Ou em outra que um dia virá

Sem que eu queira,

Sem que ninguém possa evitar.

O tempo estava indefinido

Não era dia, nem era noite,

Não era cedo, nem era tarde.

À datas reversas, revelou-se

Um tempo palpável apenas pelo sentir,

Avesso a qualquer súplica

E a qualquer caminhar

Que não fosse cristalizado

E leve como os espíritos de ar...

Nessa caminhada, divergente

Dos seres humanos,

De algum lugar escondido,

Incessível a mais sutil audição,

Como se me esperasse,

Uma voz me falou,

“Olha, olha bem!”

Aterrado diante de voz tão carregada

Ainda pude sentir

Que eu a conhecia também,

E eu estremeci três vezes,

Três vezes senti o temor.

Neste momento,

Hesitante que estava,

Pensei em voltar,

Mas, olhando para trás,

Não vendo a estrada,

Entendi que só me restava seguir.

Aceitei o acaso das coisas

E fui caminhando

Pela estrada que se decaía

Ao toque do mais breve pisar.

E eu vi, mesmo sem querer,

Aquele presente

Se entrelaçar com passado e futuro

E, numa sexualidade incomum,

De sobrenatural desejar,

De sobrenatural amor,

De entrega mais que completa,

A gerar certos entes leves como o ar.

E aquilo foi invadindo meu ser,

E fisgado continuei olhando,

Invejando as sinuosas curvas

Compostas de sombras,

De sombras arruinadas,

De bocas perdidas

Que se encontravam

Numa alucinação tresloucada

De cânticos e choros,

De sorrisos e dores,

De nascimentos e mortes,

Num único instante

Em que tudo era amar.

E eu me esforçava

A gravar na memória,

Com meus poucos sentidos,

Os detalhes supremos

Daquela excelsa visão.

E eu fui me esquivando,

Tapando os ouvidos aos gritos sobrantes

De dores antigas,

De injustiças permitidas

Que foram se juntando

À história dos homens,

Ao olhar das mulheres

E de todas as gentes

Que sofreram outrora descaso e dor,

Ausência de amor,

E que se calaram

Num denso silêncio

Que não se pôde quebrar

Em épocas corretas

E que agora a mim

Se pareciam mostrar

Com a raiva nos dentes,

Com o sangue no olhar.

E eu disse meio hesitante,

Que sois que não me deixais passar?

Ao que a voz respondeu

Imperativa e tonitruante,

Não sou! Não fui! Não serei!

Ao que perguntei,

Então por que não posso passar?

E a voz respondeu,

Aqui não é permitido o caminhar

De pés tão imundos

De mãos tão imundas

De coração tão imundo

Dos que não souberam amar...

Eu estremeci ante aquela verdade

De universal sentido

Sobre os seres te tempo marcado

Na vida terrena

Que dizem amar

De forma tão pura

Mas que vivem a sofrer de um amor

Na forma que não dura,

Nem resiste as oscilações

De um leve balouçar das águas

Que sustentam a vida que têm.

E eu disse,

Mas se esse for o caso

Eu posso passar...

Ao que a voz seca rebateu,

Tu amaste as pedras?

Amaste os rastejantes

Que não experimentam o amor?

Amaste os teus irmãos?

Tu amaste mais a quem?

Tu amaste a vida diferente da tua,

Distante da tua,

Tu amaste o sofrer?

Tu amando cantaste a alegria do outro,

A felicidade alheia

Em poemas sem fim?

Tu amaste o ficar solitário

Vendo teu par, teu amante

Outra boca beijar,

Ele, com outro amando, partir?

Tu amaste a quem?!

Eu vi teus poemas,

Eu li os teus textos,

Tu só sabes mentir!

A alegria que saco

De teu viver de quimeras

Não enche uma mão!

Teu jeito egoísta

De amar teu parceiro,

De sorrir pro teu irmão,

Tem abalado os tempos

E agora verás!

Que quem ama não chora,

Que quem ama não reclama,

Nem clama pelo corpo do outro

Em noite infeliz!

Eu vi teus poemas,

Tu só sabes mentir!

Tu amaste a Noite quando ela veio

Te visitar trazendo a tragédia

Para a desfeita do teu desejar?

Tu amaste quando não era possível amar?

Tu amaste o vazio,

A falta de rumo

No teu caminhar?

Amaste o delírio

O amargo das derrotas

De que não quer nem falar?

Tu amaste o quê?

Tu amaste a quem?

............................................................

E eu fui ouvindo

Aquelas palavras sem origem sabida,

E fui me carpindo

Como uma criança perdida

Que outra defesa não tem.

E eu procurava o caminho de volta

Na matéria escondida

Dos vales fantasmas que se revelaram a mim.

E vi seus segredos,

Seus segredos profundos

De tal modo esquecidos

Na mente humana

Que, se revelados sem prévio aviso,

É capaz de a alma matar!

E fui me afastando e fui me afastando e fui me afastando

Carregado por medo e terror

Enquanto a voz brutal ainda falava...

............................................................

Trair teu amigo

Na busca do sexo,

Pensas que isso é amar?

Comentar pelas costas

Destilando o mal,

Mesmo sozinha,

Alma traiçoeira,

Pensas que isso é amar?

Quando maquinas

À longa distância,

Ou no imediato tempo corrente,

A desgraça alheia,

Achas que isso é amar?

E os teus inimigos?

Só em tê-los já te perdeste!

O que pensas da vida,

O que pensas do mundo

Que vai além de ti?

Aquilo que estranhas,

Aquilo que não te agrada,

Aquilo que te causa horror,

Não é digno que ame?

Não carrega em si o amor?

São tantos são tantos são tantos!

Quantos amores tu tens?!

Os vermes da terra,

O choro distante

Que não perguntas de quem,

Não são dignos de nota,

Não te chamam a atenção?!!

Amando teus livros,

Teu pífio saber

Achas que podes

Neste solo entrar?!!!

Amando o espelho,

O prazer primitivo

De gozar e gozar

Em perdido encontro

De seres distintos,

No jogo da vida,

Na busca incessante

De carne e de sangue

De poder e de gloria,

Achas que isso é amar?!!!!

Eu vi tuas promessas

Diante do altar!

E vi tu saíres na calada da noite,

Pelos caminhos escuros

A pegar e pegar

As almas sofridas

Que vendem prazer,

Que não têm mais sentido

Nem sentem mais gosto!

E ouvi teu miserável pedido

Que aquelas bocas fizessem

O que não é permitido falar,

Eu ouvi teu pedido,

Eu ouvi teu clamar

À voz tão aflita uma palavra de amor!

Tu amaste o quê?

Tu não amaste ninguém!

Dizendo que amas, dizes o quê?

Achas que escondes com isso

A infâmia que és?!

Tuas palavras melosas, de intenção escondida,

Achas que enganam a mim?!!

Eu te conheço,

Eu li teus poemas!

Tu amas o quê?!

Esse teu amor enquadrado,

Esse teu amor medido,

Esse teu amor burocrático,

Esse teu amor conveniente,

Esse teu corrupto amar,

Não entram aqui!!!

............................................................

E já bem distante,

Em meio à profusão de sabores sonoros,

Em meio a vozes de rispidez tão doída,

Eu lembrei de meus semelhantes,

E nisso pensei que ouvia,

E me esforçava a convencer-me disso,

Enquanto de costas seguia

O caminho de volta

Que não mais queria mostrar-se a mim,

Eu pensei que ouvia uma voz,

Um barulho de gestos amigos,

De perdão tão humano

Que parecia assim me falar,

Vai! Vai!

Te perde de novo

Nas coisas do mundo

E veja melhor

A lista das dores

Que um dia fizestes...

Era uma voz tão diferente daquelas,

Umas mãos que me queriam aparar...

............................................................

Eram muitas as vozes,

Muitas as sombras que

Se atiravam a mim

Em confuso desespero,

A querer me instigar

A uma disputa perdida

Que não pude evitar.

............................................................

E eles não paravam...

Então, isso é amar?!!!

Nos horrores dos outros

Teu prazer encontrar?!!!

... ... ...

......

...

..

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Sebastião Alves da Silva
Enviado por Sebastião Alves da Silva em 08/04/2006
Reeditado em 31/05/2010
Código do texto: T135616
Classificação de conteúdo: seguro
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