O preso eterno
Às vezes eu penso que sou aquilo
que estou pensando,
e me sinto
livre
leve,
e saio pelo mundo afora, voando...
Às vezes eu não penso no que estou pensando,
e sou como uma árvore esquecida,
a última de uma
floresta que aos poucos foi queimando...
Às vezes eu não penso,
quando estou,
mas como não penso quando estou
não sei dizer o que sou
apenas depois
é que fico imaginando
que estive em outro lugar
do qual minha alma lembra
mas meu corpo nunca vai saber
por onde ela esteve andando...
Às vezes, andando de madrugada,
horas em que ficam mais largas
as vazias estradas,
vazias de gente,
mas com interstícios de escuridão,
eu penso que não sou o que vou,
mas o que está num rincão do escuro, observando...
Às vezes eu penso que sou,
não um ser como se define,
assim humano,
mas uma parte que de um outro
se soltou
e que vive no mundo
numa eterna busca se buscando,
buscando a parte que me largou,
para continuar mais leve
seguindo
e que dos pesos foi se livrando...
Às vezes eu penso
que sou
o que sonho,
máscaras eu vejo de toda forma,
de várias idades, a mim se mostrando
e todas me olham profundamente
como se todas fossem , cada uma, minha
que ao longo da caminhada
para ir me adaptando
delas todas fui me livrando...
Às vezes eu penso que sou
apenas um pensamento
que em verdade aqui não estou
e que este corpo é apenas
um alojamento
para aqueles que se manifestam
através dele
e que fazem antes, cada, para entrarem,
um juramento,
de vão deixar esse corpo,
mas que na hora da partida,
tudo que disseram cai no esquecimento...
Às vezes eu penso que sou
uma casa que ninguém alugou
que não tem dono nem está a venda,
sempre fechada,
e que há na porta um enigma
para decifrar aquele que quer entrar,
mas que nunca ninguém desvenda...
Às vezes eu penso que sou,
aquele que está a porta
querendo encontrar quem está dentro da casa,
e também aquele que passou,
olhando,
desconfiado de alguém estava tentando a casa roubar.
E sou aquele que liga para polícia,
se fazendo de assustado, de preocupado, denunciando um iminente crime...
Sou o policial que chega
e leva preso, chamando de ladrão,
e aquele que apedreja.
Eu sou todas as mãos,
todos os olhos que julgam,
e o algemado dizendo que houve algum engano,
que encostou por que ouviu alguém gritando.
E a balbúrdia com a prisão,
que apenas em comentários se transformou,
é também o que sou...
E depois de todo mundo se calar,
do fuxico caminhar e perder a força,
ainda é possível ouvir alguém dentro da casa chorar,
mas não sou eu...
eu sou a dor que faz o peito se dilacerar,
e sou o peito destruído,
e os olhos vermelhos de chorar,
e os gritos que racham a madrugada,
imersos numa mar de agonias,
do qual ninguém me pode salvar...