VIAGEM PELOS SONHOS
VIAGEM PELOS SONHOS
Pensei em escrever lá em Marte,
Mas ninguém quis me dar carona,
Então fui só olhar um encarte,
Que talvez me levasse a Verona.
Na Itália não há mais Vulcano,
Nem os templos devotos de Marte,
Pois nem Vênus seduz mais romanos,
Desde quando seu corpo é só arte.
A homenagem posta em cada planeta,
Tem o quê de um viés saudosista,
Mas no mundo sobrou só sarjeta,
Onde escorre a dor dos artistas.
Numa viagem que fiz pelos sonhos,
Inalei os gases de uma nebulosa,
Tudo enquanto um buraco medonho,
Sorvia luz com uma sede gulosa.
Foi então que parei o rodopio,
Que fazia girar a Via Láctea,
E assim, sem o Sol, sobrou frio,
Que até fez miar minha gata.
Ela agora, acordada reclama,
Que não tem o carinho do Egito,
Pois o seu Faraó não lhe chama,
Nem deixou testamento escrito.
Muito havia no mundo de antes,
E os homens falavam com os bichos,
Mas agora não há nem Cervantes,
Com os livros jogados nos lixos.
Tudo agora incorre num instante,
Pois não há mais as mesmas manhãs,
Muito menos há grilos falantes,
Nem os contos de Eva e as maçãs.
Por isso coloco a testa no chão,
E peço à Terra por mais piedade,
E aquele perdão, mesmo sendo Adão,
Por viver sem respeito à saudade.
Desde quando implodi com Babel,
Muita gente pergunta o que foi,
Mas não posso dizer meu papel,
Numa peça em que digo só oi.
O segredo de ser um poeta,
Poderá inquietar até Pisa,
Pois a torre não fica ereta,
Se a laje for de pedra lisa.