A Nuvem

No tempo em que a nuvem escura

irrompia no horizonte, ainda distante

Poucos a notavam, ninguém a temia

Se achava, então, que sempre seria

Um dia claro, noite de lua

E a tal nuvem, como serpente

Sabia que era aos poucos

Que se cerca uma presa em seu destino

E que quando soasse o sino,

Ele já estaria selado

E dia a dia, então, ela chegava

Sinuosa e sorrateira,

No ruído silencioso da morte

Que jamais se anuncia

E quando já não se podia mais ignorar

Havia os que diziam que era garoa

Chuva boa para plantar,

Outros diziam que era alívio

Contra o calor que sufocava

Uns ouviram da cidade vizinha

Que fora só um susto, uma leve brisa

E quanto mais baixa ela se tornava

Menos horizonte se via, encolhia-se o mundo

E um rotundo medo se espalhava,

Sendo ainda não mais que uma noção fugaz

O que traz essa nuvem, disse o profeta

É a limpeza dos impuros, é o levantar de muros

Contra os infiéis, é o rasgar de seus papéis

De um saber inútil, quase fútil

Que quem sabe é Deus, o meu, o único

E o verbo que se faz verdade é o que dele carrego

E milhões o carregaram nos braços

E seus passos seguiram, mesmo que tortos

Para o deleite da nuvem, já esquecida

Que já cobrira a cidade com seu manto

E, para o espanto de uns poucos

Os sábios, loucos e poetas

Suas palavras se perdiam na tal brisa

Que saqueou o que podia

Do que ainda havia de humano

E quando a nuvem dissipou-se

Levou a infância do mundo, sua alegria

Deixando uma nostalgia de algo

Uma sensação estranha

Mas os que aqui restaram, apenas seguiam

As palavras de Deus, o dele, o único,

Que a nuvem sussurrara em seus ouvidos

Varrendo as impurezas humanas

E plantando insanas certezas

No silêncio dos esquecidos.

Marcelo Simas Pereira
Enviado por Marcelo Simas Pereira em 26/03/2022
Código do texto: T7481128
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