A Nuvem
No tempo em que a nuvem escura
irrompia no horizonte, ainda distante
Poucos a notavam, ninguém a temia
Se achava, então, que sempre seria
Um dia claro, noite de lua
E a tal nuvem, como serpente
Sabia que era aos poucos
Que se cerca uma presa em seu destino
E que quando soasse o sino,
Ele já estaria selado
E dia a dia, então, ela chegava
Sinuosa e sorrateira,
No ruído silencioso da morte
Que jamais se anuncia
E quando já não se podia mais ignorar
Havia os que diziam que era garoa
Chuva boa para plantar,
Outros diziam que era alívio
Contra o calor que sufocava
Uns ouviram da cidade vizinha
Que fora só um susto, uma leve brisa
E quanto mais baixa ela se tornava
Menos horizonte se via, encolhia-se o mundo
E um rotundo medo se espalhava,
Sendo ainda não mais que uma noção fugaz
O que traz essa nuvem, disse o profeta
É a limpeza dos impuros, é o levantar de muros
Contra os infiéis, é o rasgar de seus papéis
De um saber inútil, quase fútil
Que quem sabe é Deus, o meu, o único
E o verbo que se faz verdade é o que dele carrego
E milhões o carregaram nos braços
E seus passos seguiram, mesmo que tortos
Para o deleite da nuvem, já esquecida
Que já cobrira a cidade com seu manto
E, para o espanto de uns poucos
Os sábios, loucos e poetas
Suas palavras se perdiam na tal brisa
Que saqueou o que podia
Do que ainda havia de humano
E quando a nuvem dissipou-se
Levou a infância do mundo, sua alegria
Deixando uma nostalgia de algo
Uma sensação estranha
Mas os que aqui restaram, apenas seguiam
As palavras de Deus, o dele, o único,
Que a nuvem sussurrara em seus ouvidos
Varrendo as impurezas humanas
E plantando insanas certezas
No silêncio dos esquecidos.