O Espelho e Eu

 

A primavera e o espelho inteiro.

O mato, o cheiro do mato, o orvalho,

A terra molhada, o capim amassado;

O estrume das vacas.

O espelho? Amarrado.

 

Um mundo primitivo e um espelho amigo.

Tão ingênuo, eu e ele, no canto da sala da parede.

Fui prego no desejo do espelho.

Um mundo dominou-me com voz de comando.

 

Os grãos de café vermelhos, avermelhados,

Verdes, amarelados, quase negros, cereja

Avivam a voz que dá às ordens

E Orquestram o mundo em acordes.

 

O grande espetáculo, eu e ele, um diante do outro,

O espelho me olhando atravessado.

As cores novas no brilho da face perdem a firmeza.

Primeiras quebras das certezas e do quadro inacabado.

 

As cores da minha primavera foram-se desbotando.

Cultivei os seus jardins de acácias e tulipas.

Saborear gordas jabuticabas, mangas, carambolas

Na inquietude das noites foram sentimentos

De terno encanto.


Ao Contemplar a riqueza das horas em minúncias,

Contando as estrelas e os pirilampos

Ou olhando nos olhos dos morcegos, das corujas

O sabor negro de suas dúvidas.

Despertou os vultos da noite, o sono, o corpo

E o espelho.

 

Por muitas vezes o espelho embasava o amanhecer,

Mas o frescor saudável das madrugadas,

O leite espumante na porta de casa pareciam buscar

O mugido das vacas, agarrar o dia pelas ventas

E dizer: chega de correr estrada afora.

 

Entre a aurora dos anos fiquei a sorver

Os leves sonhos e os grandes voos noturnos

Do espírito.

Agora os pequenos enganos estão ali,

Diante do espelho velho, cansado,

 

Quebrados em pedaços no sotão do quarto

A Contar os quartos das horas do voo noturno.

Ele e eu conversamos sobre as lembranças

Enquanto termino o quadro inacabado.