Obra prima
Obra Prima
Me esqueço de tudo, apago lembranças recentes e antigas.
Não me lembro do rosto, do toque, da sombra nem da luz.
Esqueci do Eu, Nós, Vós, Eles. Principalmente dos Eles.
Talvez mais do Eu.
Cogito ergo sum?
‘Tá mais pra: Penso, logo desisto.
Essa foi minha maior obra, labuta, cruz e espada,
Nunca deixei faltar nada, talvez só tenha esquecido da atenção suplicada.
Um sonho passado, meio maltratado, nunca abandonado mas que agora está todo empoeirado.
De poeta virei Dr. Frankenstein, tratei da alma recém amargurada, do sentimento lacerado, do corpo judiado.
Dei as minhas peças pessoais, jóias raras, jamais iguais.
Costurei sonhos, lapidei desejos.
Moldei a carne desta Laranja Mecânica,
Enquanto esquecia do Sol e da Lua, da água e da fartura.
Dediquei o meu aprendizado, a minha tortura, meus erros e loucuras,
Fui juiz e carrasco desta história.
Me esqueci de ser vítima e culpado nessa doce escultura.
No mármore branco coloquei asas que não sabiam voar,
Pura parafina e cera de Abelha Mãe e Rainha.
Coloquei minha sina, salgada e amarga, com vitórias e Derrotas.
Pus sonhos e desejos num simulacro solene – Que rosto sacro tinha.
Abandonei o sono, o despertar das 06:00, o café puro e preto.
Fui certo e errado,
Com o coração na balança de Maat me vi julgado.
Esqueci do escapismo,
Das fugas insanas na madrugada nua.
Depositei minha carne e sangue na pedra dura,
Nessa rocha que agora se torna obscura.
De Poeta me torno escultor, lapidador – quanta dor -, açougueiro, criador, asmático caçador.
Sou demolidor, a pólvora, o pavio, dinamite.
Tenho tudo para lhe dar,
Amor e desamor.
Sem rancor, apenas dor.
Criei você e me dei por inteiro, me torno casca, crisálida, pau oco.
Deixo de ser o santo que pinto.
A estátua soberba me enxerga, vermelha.
Sinto sua nobre presença.
Crio como Deus Pai criou,
Puxo da costela e do barro, até o Fruto Proibído apaixonado.
O olhar é seco e frio, quase senil.
Bato o martelo, arremesso o compasso e o esquadro, aqui não tem igualdade.
Contudo, tudo é correspondido, do frio ao calafrio, da timidez à nudez.
Me torno sinistro, sentindo arrepios.
Esqueço da minha visão, do tato, o paladar.
Viro Taxidermista, criando toda esta altura que não se move e isso machuca.
Tiro meus braços e dedos, vou te dar Vida nem que Me doe por inteiro.
Na sombra da última Estrela da Manhã,
Como necromante puído, só me restam Vermes e o esqueleto.
No raiar do luar, vou lhe entregando minha vontade e desejo,
Vou esquecendo de quem sou,
Estou te entregando o corpo e o espírito inteiro.
Só pra te ver nascer e andar,
Minha Cara Obra Prima.