PÉS SOLTOS NO AR

Caía a tarde incrédula

como os viadutos

não ousam cairem mais.

Um Morcego antecipado

traçava vôos rasantes

sobre as cabeças dos passantes

que desfilavam suas roupas

de legítimas grifes chinesas

pelo passeio público de seus enganos

Um gato miava desafinado.

Um cachorro latia em falsete.

Uma perereca saltava bem alto

preparando-se para as olimpíadas

enquanto a chuva triste caía.

Não, não foi uma piada

muito menos um pesadelo

no meu cochilo de depois do almoço.

Tudo aconteceu assim mesmo

sem edições ou retoques.

Nas mãos invisíveis dos deuses

a vida um mero joguete.

O vento a sacudir as janelas

preparando uma tempestade.

Sábio é quem não sobe escada

preferindo o elevador.

Valente é quem corre primeiro

ao primeiro sinal de perigo.

Vai longe o tempo banal

De cores neutras nos olhos.

De cadeiras quase quebradas

na mesa de jantar inexistente.

De socos certeiros no baço

que teimavam em me acertar.

De dentes gulosos e afiados

devorando os melhores nacos

do meu único par de sapatos

deixando meus pés soltos no ar

numa noite em que findava carnaval.

- por Hans Gustav Gaus, almirante holandês da armada de Maurício de Nassau, bucaneiro nas horas vagas, heterônimo de JL Semeador de poesias -