O CÉU
 
Em sonho inusitado
o céu eu fui visitar,
na entrada fui barrado
por São Pedro a me espreitar.
“Onde está seu passaporte?”,
disse o santo, espantado,
aqui, só depois da morte,
com atestado autenticado.
 

“Sou humilde forasteiro”,
respondi-lhe cortesmente.
“Quero conhecer primeiro
todo o céu e sua gente.”
Mas ele não quis deixar,
nem pra ver como é que é,
mesmo assim tentei entrar,
porque tenho muita fé.

 
Não sendo nenhum bandido,
eu nada vou delatar,
por isso entrei escondido,
sem ninguém  para obstar.
Eu vi mulheres de véu,
todas elas só rezando,
o Paraíso é o céu,
vou em frente, observando.


Entre os anjos fui andando
pelas ruas da cidade,
indo junto, disfarçando,
com toda simplicidade.
Vi um prédio suntuoso,
onde uma orquestra tocava,
fiquei muito curioso,
pois a música me encantava.
 

No céu não há cemitério,
nem creche, nem hospital;
tudo, pois, é um mistério,
mistério celestial.
No céu todo mundo voa,
não há ônibus a passar,
não há carro, nem canoa,
nem ninguém pra perturbar.
 

“Ei, pare aí, espião!
Não precisa disfarçar,
vou levá-lo à prisão”,
disse um anjo a me arrastar.
“Mas o céu tem calabouço?”,
perguntei-lhe, apavorado.
“Eu sou surdo, nada ouço”,
respondeu, todo zangado.
 

Fui depressa encarcerado
e sem poder reclamar,
queria um advogado,
não tinha a quem apelar.
“Você será condenado,
vou mandá-lo para o inferno”,
disse logo o delegado,
“Só vale o Estatuto Eterno.”
 

“O inferno é logo ali,
fica no planeta Terra,
um lugar que nunca vi,
mas seu povo vive em guerra.”
Na cela fui visitado
por São Jorge, o Bom Guerreiro,
que ordenou ao delegado:
“Liberte o prisioneiro!”
 

Logo após fui deportado
para o mundo onde nasci,
porém, decepcionado,
com o Paraíso que vi.
Orpheu Leal
Enviado por Orpheu Leal em 18/12/2013
Reeditado em 18/12/2013
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