INFERNO E PARAÍSO
Ao recostar a cadeira de praia
em paralelo ao céu,
de brincadeira, tripulo uma nave espacial.
O subir não me enjoa.
O mais à toa que posso,
repasso o olhar no que fica.
Um mundo que se apequena.
Não vejo bilhões de seres
a disputar poderes.
Uma serpente em pedra
sim, eu vejo. Vejo também
um verde amazônico.
Um azul oceânico.
Um branco monogâmico.
Traspasso risonho o buraco de ozônio.
A altitude cria um vácuo entre o riso e o sonho.
Mas ainda há uma vasta manta de gás
a proteger epidermes.
A velocidade é encantadora.
E o meu planeta azula,
atolado em seus mares...bares...lares...
atolado em si mesmo.
Há uma poluição de satélites.
Peões silenciosos.
Vejo um lixo espacial não descartável,
mas não vejo corvos...
A nave percorre um itinerário qualquer.
E o paraíso...que direção terá?
Acima, posso esbarrar no teto do céu.
Abaixo, mergulhar em umbrais.
À frente, como acima e abaixo,
ao buscar o bíblico, encontro só alergia
de poeira cósmica.
Não sou capaz de, sem GPS, encontrar
o paraíso e o inferno...
fora da Terra.
Texto republicado.
Faz parte do livro Taça de Cristal,
lançado em 1993.