Você não precisa de cinema
Você não precisa de cinema
Já que faz a trama e o laço
O enredo
Medo e a coragem
Põe em cena o herói e a escória
Faz a degola, a história
Dá memória e a amnésia
A loucura e a cura
A lisura e o ladrão
O mocinho e o lobo
A chapeuzinho e o mau
O chacal e a vítima
Os personagens todos
Os tolos e os insanos
Causa dano e o conserto
O erro e o perfeito
Faz a alquimia e a magia
Mistura tudo no seu caldeirão de letras
Cria a lua cheia
A areia da praia e o despacho
Alegria aleluia
A dança o rito e o mito
Você não precisa de cinema
Só a literatura lhe preenche
Você fica prenhe
Pare
A rima e a prosa
Cria bruxas e tempestade
Joga chuva no deserto
Raios no céu azul
Faz o que pode e o impróprio
Você põe o navio onde quer
No alto da árvore
Faz-se de homem pra ver o desejo da mulher
Você é foda
Nódoa e a cândida
Santa do pau oco
Puritana que toca e goza no só
A madeira do náufrago
Dadeira dos trôpegos da estrada
Usa e abusa da sua fome
Gata vadia no cio
Mia
Só para acordar os vizinhos
Você não precisa de cinema
Tem a luz. É deusa e poeta
Criar sua própria tela
O sincero e o falso
O cadafalso e a forca
A fuga pelo gueto
O acerto a dança a lança e o alvo
Você quando quer gente
Estala os dedos
Ou deleta amores
Promove orgias em sonetos
Transa com todos os atores
Extras e figurantes
E depois faz o canto
Elegias ternas e chora suas dores
Você arma o cenário
Põe o bem e o mal de mãos dadas
Fada e demônio
Você é sonho e delírio
A sombra na noite
Estalo do açoite
Você não precisa de cinema
E nem quer atores
Você domina os efeitos especiais
Macho e fêmea
O efêmero e o permanente
Você é quente
Ama e desama em segundos
Quer cama/ chão de veludo
Mas tudo distante
Quer todos na sua mão
O bom e ruim
Quer ser tomada amada idolatrada
Mas não mostra a face
Macriada desalmada
Destrata maltrata mata
Desaparece e
FIM