Felicidade
Acordar, abrir os olhos,
Enxergar uma perspectiva de realidade,
Respirar o ar da manhã, hipnótico,
Sentir-se vivo sabendo que morrerá na posteridade.
Beijar a boca da mulher que ama,
Desejar que o paladar sugue o instante,
Soprar sua vida, servir-se de cama,
Deitado imóvel, acolhendo um corpo caindo em rompante.
Sorrir de dentro pra fora,
Captado pelas pessoas que te enxergam por si,
Saber que todo momento é agora,
Ter a petulância de afirmar existir.
Levantar-se batendo a poeira da queda,
Olhar pra trás sem desejo de memória,
Caminhando numa abissal passarela,
Desejando que possa contribuir com a História.
Apreendendo a brincadeira das crianças,
Será que algum dia fomos inocentes?
O corpo fica leve enquanto se dança,
Depois, o peso da fadiga sequestra a mente.
O canto dos pássaros ou o baile de insetos,
Minha natureza que só faz antropologizar,
Enveredando por caminhos incertos,
Sombra que na noite tende a dissipar.
Lágrimas que escorrem de emoção,
Expressão de leves traços embrutecidos,
Toque delicado de um deslizar de mãos,
Motivos renovados por conta de outros falecidos.
Fala que sai mesmo sem se fazer ouvir,
Gestos desordenadamente cativantes,
De fora pra dentro tentarão me diluir,
Atravessado por visões exteriorizantes.
Quantos "eus" eu sou dentro de mim mesmo?
Além dos tantos "outros" fora do que penso ser,
Multiplicidade que se alastra sem medo,
Fragmentando sem a possibilidade de se refazer.
Meu umbigo revela de onde vim,
Olho escuro e pra dentro, foco inverso,
Se alguém souber, diga-me, onde é o fim?
Para isso, antes terá que descobrir o começo, atesto.
Só sei o que sou porque me disseram,
Se não tivessem dito ainda seria, mesmo por ignorância,
Resultado dos que a realidade interpetram,
Processo alternante que procura promover certa constância.
Ontem fui um jovem primaveril,
Quando dei por mim estava um verão revigorante,
Agora sinto o outono muito mais juvenil,
E talvez saiba o que é ser um inverno findante.
As preces são idealizações emocionalizadas,
Alívio aos corações romanticamente trágicos,
Consolo aos que se julgam almas penalisadas,
Devoção que transforma o ser único em plágio.
No altar da vida, os que nascem são como oferendas,
Sacrificados de diversos modos so longo do trajeto,
Como se desde a mais tenra célula vivêssemos uma contenda,
Para no ápice transformático, tornar-mos orgânicos dejetos.