Tempo Parado
Imaginar o tempo e sua forma altiva,
À medida que passa, leva consigo o que há,
O seu envelhecer é um nascer e romper de vidas,
Inconteste em natureza que não se desfaz.
Nós sim, nos desfazemos ao longo do tempo,
Destituídos da imortalidade sonhada,
Sabemos no momento em que nascemos,
Que deterioramos em trágica derrocada.
Mas e quando o tempo parar?
Os movimentos cessarem,
Aquela calmaria paralisar,
O repouso da inércia pelos ares.
O ponteiro do relógio estático,
Os gestos não mais presentes,
Um instante totalmente captado,
Fotografia de uma arte ausente.
Flores apáticas em meio ao cenário lúgubre,
Feições vagas de rostos petrificados,
Estátuas vivas compondo uma realidade síncope,
Tormentos de mistérios paralisados.
Vento espesso, ajudando a condensar,
Formas expostas de fantoches sem que possa controlar os movimentos,
Cena posterior à tragédia nuclear,
Com arquitetura intocada em meio aos dissabores do tempo.
Sem secreções, ou mesmo tendo-as,
Cada gota fossilizada parece um orvalho congelado,
Como gelo sem calor que possa ir derretendo-as,
Sinopse líquida de um corpo acalentado.
Asas que não batem, máquinas paradas,
Proletários compondo o teatro tragicômico em igual posição,
Diante da produção imobilizada,
Não mais existem as disparidades de classe, apenas apêndices de encenação.
Livros sem leitor para folhear,
Canções jamais ouvidas ou compostas,
Animais com sua presa ao alcance, sem poder caçar,
Ecos como repetição de falas, jamais escutadas.
Deserto hiper povoado de seres,
Ao mesmo tempo repleto de um vazio evidente,
Imagens como arte que irá um dia desbotar, desaparecer,
Sem previsão de um advir pelo fenômeno de paralisação presente.
Os astros fixos não inspiram o fascínio esotérico,
As feras amansadas pelo encarceramento atemporal,
A insanidade confundida com a racionalidade do cético,
Cada moralista simulado identicamente ao marginal.
Nada de raça, pátria, etnia, intelectualidade,
Doenças, fugas, dor, melancolia,
Observaríamos figuras de uma materialidade,
Que se houvesse espectador, a determinaria.
Mesmo o funcionamento orgânico estaria imóvel,
Sem vermos o que existe sob a pele,
Pra que encher o corpo de compostos impróprios,
Talvez pela perspectiva de alto relevo no cerne.
Neste momento as Moiras estariam entediadas,
Cloto não mais tendo que fiar acabou enforcando-se desfiando as vestimentas,
Láquesis sem tecer acabou tornando-se enlouquecida divindade,
Átropos como um Edward Mãos-de-Tesoura cortou-se até não restar sobras.
E o tempo segue totalmente parado,
Rios com corredeiras que não se movem,
Previsível coesão de fatos,
Anátema de magia em que a realidade distorce.
Chuvas retesadas de gotas quebradiças pelo impacto,
Pés pretensos a tocar no solo que outrora caminhava,
Insetos de hábitos viventes curtos, agora prolongados,
Atmosfera subserviente à paisagem calcificada.
Estruturas formadas de fosco matiz,
Rupestres figuras pictóricas,
Drama de espetáculos vis,
Idealização materialmente histórica.
O câncer provocado pelo tabagismo, inalterado,
A emorragia contida num torniquete único,
Gozo contido na explosão do orgasmo,
Escarninho atroz deste formidável palco telúrico.
Gestações contidas em ventre prenhe,
Partos interrompidos como abortos vivos,
Cirurgias que duram eternamente,
Cicatrizações impossíveis nos tesos tecidos.
Poetas de ócio imaginativo,
Crimes à parte da justiça moral,
Hábitos resistindo como conservadorismo,
Mortos-vivos expostos numa tela sem igual.
Sorrisos rochosos tão tristes,
Esperanças na forma real, de espera,
Aprisionados por mofa de Circe,
Odiosos neste Sacrifício, feito Clitemnestra.
Palco sem sentido por falta de platéia,
Arte de autonomia arqueológica,
Presença horrorizante, feito quimera,
Altar da existência humana na História.