Um Espelho
Acordando e pensando,
Procurando com espanto,
Sem planos e angustiado,
Diante do espelho, olhos cerrados.
Onde estou e o que farei?
Pra onde vou e onde habitei?
O que faço quando me vejo?
Será a morte este espelho?
Olho os olhos e me vejo,
Mas apenas consigo perceber
Um reflexo no espelho,
Olho sim, mas sem ver.
As feições modificam-se,
Simulações manifestas,
As expressões deturpam-se,
Imagem indigesta.
Esse sentir parece-me tão falso,
Não consigo fazer reluzir
O que imaginava fausto,
Apresenta-se sem devir.
Sem som para ouvir,
Sem olfato a sentir,
Sem paladar ou tato,
Apenas visão de gestos apáticos.
Deturpação óptica que capto,
Marginal a eu mesmo,
Sem sensibilidade aparente,
Não sou eu, de fato.
Posso gritar, cheirar,
Ouvir, tocar,
Arranho o espelho,
Somente o vidro consigo tocar.
O vazio manifesta-se,
Capto a lacuna da existência,
Entre eu e o espelho,
Um abismo se cria por experiência.
Não consigo ao me ver refletir,
Captar nem fracionária a memória,
Morto diante de si,
Um assassino da História.
Palavras não se criam pela falta de linguagem,
Linguagem que se cria visionando a própria imagem,
Desprovido de sentidos mais com estética de estalagem,
Falta tanta que se apresenta nesta vã libertinagem.
Falta-me sentido no que há,
Mas resta-me a falta como meta,
Devo crer que um dia findará,
Ou agarrar-me ao mais vil que resta?
Nem a dor se faz presente,
Nem a morte me consola,
Um cadáver indigente,
Um mendigo sem esmola.
Não enxergo um começo,
Consequentemente nem um fim,
Mas ainda guardo um resquício de apreço,
Por essa rota imagem que resta de mim.
O espelho é um infortúnio,
Me faz enxergar sem que me veja,
Em vida vejo meu túmulo,
Desintegro como imagem, antes que o corpo apodreça.
Também deve-se compreender,
O valor da inversão,
Outra esfera de mim mesmo,
Um “eu mesmo” sem direção.
Quando se deparares com o espelho,
Faça como o vampiro romântico e o despedace,
Não se ilude achando-se “o mesmo”,
Pois existir está além de perecer em tal enlace.