PRÁ NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE ALGO
eu perdi algo
pedi algo que não ganhei
insisti e aprendi
que não ter é melhor que a possibilidade
de jamais vir a ter
eu perdi algo
do barro que fui moldado
argila impura, dura e flexível
variável,
um boneco um homem
apenas um nome
o último suspiro e já volto
morto sou mais feliz
sou mais amado (todos são, após a morte)
sou mais telúrico e definitivamente mudo
ah, quanto me custa cada palavra proferida
uma opinião, um conselho, um comentário
um sermão, um discurso, uma declaração
para quê, se tenho este meu olhar?
divagação na noite árdua
não fosse de solidão seria ardente,
não fosse noite eu ganharia algo
o sol, o brilho, o barulho
onde meu grito não seria ouvido
o grito de um mudo, é só assim que eu queria me expressar
impassível, estático, tântrico
as mãos bailarinas, o corpo teso
entendem? não entendam
não corram o risco
“a boca espuma de ódio”
hoje nasceu-me um outro tumor
acho que não haverá mais luta
quero o colo de uma puta e seu amor sincero
quero o riso de escárnio da vida
quero a última parada, e caminhar sozinho
ninguém foge ao seu destino quando se é livre,
a liberdade é um desatino
eu sou o que mesmo? ah, um poeta
acho que isto me redime
nem preciso mais procurar um fim para este poema
talvez um começo, começar um poema e terminar assim
sem ponto final, sem rimas, sem um sentido
porque hoje eu sinto tanto, justo hoje
em que eu achei algo
que eu ganhei algo que não pedi...
*para quem vem aqui servir-se de doses de inspiração e insanidade...