AO ENGANO DA MEMÓRIA
Descendo extensa escada, perfeitamente
simétrica, em seus ângulos, que, se repetem,
na pedra embutida, enriquecida,
de mármore e madrepérola,
sem que me dê conta, como que, entorpecido,
os sentidos, ou qualquer realidade, recuo no
tempo, ao encontro da sujidade, dos becos e
das pedras, que sobre pedras, se vão
amontoando, no chão, a cada nova derrocada,
de mais uma casa antiga.
Reconheço o sítio e os cheiros, nauseabundos,
por onde entrava, para passar a noite,
e meus braços, deixaram de reagir, adormecidos,
pela injecção da manhã. Aterrorizado, vejo que,
minhas veias, são crostas, que eu posso levantar,
com os dedos, e na carne, em sangue, aí,
introduzir a agulha, para minha paz e sossego.
Nada tinha mudado; e, entre a confusão,
vi-me de novo, rodeado, de amigos mortos, por
overdose. Enquanto, sem descanso, subindo e
descendo escadas, entre becos imundos,
pessoas, entrando,
na casa esburacada, freneticamente, pediam,
o tão desejado, quanto necessário, pó de anjo.
E, lá estava, o Jorge, ante meus olhos, magro,
velho e doente, sentado, junto a um resto, de
parede, de roupa completamente suja, com o
dinheiro, numa das mãos e na outra, a maldita
heroína e cocaína, para poder satisfazer, dia e
noite, as centenas, de clientes, sem parar.
Roubando-me, ao pesadelo, alguém, descendo,
pela mesma escada simétrica, enriquecida, de
mármore e madrepérola, vendo-me, de todo,
adormecido, resolveu acordar-me, pois que, lhe
pareci, bastante inquieto. Por fim, desperto,
agradeci, e, sentado, tentei pôr as ideias, em dia.
Engraçado, as metamorfoses, a que a mente e
o corpo, pelo sono, nos sujeitam, indo buscar,
o que há muito, morreu, dentro de nós…
Jorge Humberto
19/07/09