Memórias

As alvoradas daqueles inesquecíveis anos vi o sol clarear. Da janela de minha casa os transtornos se abrandarem pelo grandioso mar. As brisas suaves em minha têmpora espantarem as aflições. Pelos frágeis dedos a areia fina escorrer. A paz absoluta de manhã ao anoitecer. As pedras escorregadias abaixo dos corrimões.

Naquela movimentada tarde vi caírem as castanhas. Os barcos atravessando o canal e ao fundo as montanhas. Os peixes afoitos por entre o lodo e inúmeras frestas. Nas antenas de tevê a fileira dos lindos pardais. A tampa vermelha pelo ar a se perder nos lamaçais. O contentamento indescritível em casinhas bem modestas.

Sobre os tacos vi o banco imobiliário, o ludo e as velhas cartas. A inocência das crianças em suas fantasias fartas. O piquenique envolvente bem ao lado do Edifício. Os banhos na caixa d’água e nas paredes os respingos. Os bolos de chocolate nas tardes lindas dos domingos. O futebol no corredor e da tristeza nenhum indício.

Os desenhos vi se formarem nas areias do estacionamento. As colunas do restaurante abrandando o forte vento. Nos parapeitos das escadas as descidas corriqueiras. Às pressas Naftali com os cruzeiros em seu bolso. À frente o Monte Santo em um tremendo alvoroço. As distrações entre os galhos das velhas castanheiras.

Pelas águas barrentas vi os barquinhos de papel descendo. Sob as chuvas frias de março as crianças felizes correndo. Chamando-nos para o café a minha mãe na janela. As bananas quase podres no quartinho lá no fundo. A ribanceira que separava a realidade de um novo mundo. A luz se propagando de uma pálida e feliz vela.

Atrás da carroceria vi mudas de laranja, coco e limão. Cozidos na banha de porco o delicioso arroz e feijão. Um ambiente indescritível armazenado em minha memória. A turma na garagem imunda brincando de amarelinha. O pique-pega cansativo pela curta escadinha. Um contentamento sem limites numa época bem simplória

Com a cesta de frutas vi entrar um senhor pelo velho portão. Escapulir por descuido alguns jambos pelo chão. As moedas dispersas em cima da geladeira Continental. Na bandeja de alumínio os sonhos de creme deliciosos. O vendedor bem-humorado com os tais gestos ansiosos. A tarde foi se findando em uma alegria colossal.