A rua da minha infância

Sinto o vento em minha face, como outrora sentira,

Lembro-me do cheiro das folhas das árvores,

Naquele lugar que inspira nostalgia

Onde minha vida passei por tanto tempo,

Na rua da minha infância.

E lembro que as folhas caíam sobre nós qual desejo ardente

Sobre nossos rostos pasmos com o encanto da juventude,

Dos colegas, dos amigos, dos poucos amigos, e das meninas da rua...

Tinham um quê de especial, pois eram tão belas, e puras, e meigas, e únicas,

Para nós, nas tardes de verão, em seu calor,

Ou no crepúsculo do outono, com suas folhas no chão,

Na rua da minha infância.

Mas tinha um som, mais que uma música

Que, de repente, no ar pairava, como perfume

O perfume das flores, o aroma das árvores, o cheiro das meninas,

Na rua da minha infância.

Som que remontava aos bailes, às festas nas casas, aos encontros nas calçadas

Meigas, simples, saudosas,

E as bicicletas, minha verde adorada, amiga, amada, saudosa companheira...

Minha verde Monark, uns anos após, simplesmente roubada...

Quantos passeios e lembranças e histórias e alegrias eternas,

Tenras, puras, doces,

Nas voltas que eu dava,

As voltas da minha vida!

Ah, quanta saudade eu tenho daquele tempo

Tempo que o próprio tempo tratou de levar embora

Para longe do que sou, e do que fui depois daquelas auroras,

Em que me levantava e ficava por horas e horas,

Esperando o tempo passar, o dia entardecer, e a noite chegar...

Na rua da minha infância.

Ah, como me lembro dos beijos inocentes, carinhosos, sutis,

Das festinhas, da música lenta, das puras brincadeiras, da ilusão...

Lembro de esperar a próxima música, sempre

Pedindo para ser a mais doce, e a mais calma, e a mais lenta,

Para poder dançar coladinho, tal ímãs a se atrair

E que, depois, este mesmo carinho a fluir

Moveria, por si só, o porvir de cada encontro

Marcado para existir, para acontecer, e para durar,

Na rua da minha infância.

E aquele perfume, que, de inocente, marcaria para sempre

Aqueles momentos que não há de me deixar

Eles são chama ardente como brasa em meu ser.

Por mais simples que fora, e mais singelo que possa ter sido,

Nos abraços demorados, nos passeios infindos, no tempo que não passava...

Na rua da minha infância.

Afinal, o que era o tempo, os minutos, as horas, os dias,

Se eram infindáveis a cada instante, e eternos a cada encontro?

Os meus amigos, meus poucos amigos,

As namoradas à luz da lua,

As tardes sob as sombras das frondosas árvores,

Na rua da minha infância.

Ah, quanta saudade eu sinto daqueles momentos, dos passeios,

Dos eternos passeios, das conversas, dos segredos...

A rua larga, as casas perto, os corações colados e o momento, único...

Eternos foram, serão infindos, jamais esquecidos,

Na rua da minha infância.

Hoje por lá passo, vejo as mesmas árvores, as mesmas casas,

Algumas um pouco diferentes, tem algo diferente,

Pois estamos diferentes, quase todos ausentes, como a vida é

E o perfume, o mesmo perfume do tempo que se foi

Ele ainda está lá,

Na rua da minha infância.

Parece querer dizer que me espera a cada dia,

E que me pertence, ainda que me fora,

Pois a presença marcante afronta-me mais forte,

Parecendo querer falar, como a dizer:

"Não se esqueça de mim, ó poeta crepuscular,

Não deixe que tais momentos se percam na ausência,

E não deixe sua essência

Se apagar, evaporar, se dissolver, pois deles é parte,

E não pode se extinguir no ócio do presente!"

Não, não permitirei que se apaguem, e que morram, estas lembranças,

Lembranças de minha vida, de meu passado, de meu legado

Na rua da minha infância.

E, quando não mais forças tiver, apenas memórias,

Quero poder lembrar, apenas, sem nem mesmo falar,

Que as tenho em sua lembrança, mas quão reais,

Pois parte de minha vida nela se foi,

E quero poder fechar os olhos, e apenas sorrir,

Ficar feliz por um instante, pulsante,

E contemplar o que sou, parte do passado,

E, contente, poder sentir em minh'alma o doce perfume,

O suave aroma, a mais pura recordação

Da rua da minha infância.