A Catedral do Silêncio e das Trevas Eternas
Nas trevas profundas, onde a luz não ousa,
Ergue-se a catedral de ossos e cinzas,
Altar das sombras, mórbida esposa,
Do tempo que sangra, das almas concisas.
Seus pilares de fêmures, brancos e frios,
Sustentam abóbadas de noites sem fim,
Onde ecoam lamentos, eternos e vazios,
Versos do abismo em tom carmesim.
Lá, no púlpito, o Crânio recita,
Com dentes serrados, a ópera da dor,
E o vento, em seu uivo, parece uma fita,
Que amarra os espectros ao seu próprio terror.
O chão é um tapete de carne desfeita,
Costurado por vermes, tecelões sombrios.
As chaves, no altar, são a senha perfeita,
Para abrir os portões dos infernos tardios.
Sangue coagulado, vinho dos mortos,
Enche os cálices de prata corroída.
E o ar, tão pesado, já sela os portos,
Do peito que busca um suspiro de vida.
O Caldeirão das Eras fervilha e pulsa,
Com memórias de mundos há muito esquecidos.
E na fumaça que sobe, a essência expulsa,
Sussurra segredos de deuses caídos.
Aqui jazem as verdades dos homens,
Sepultadas em tumbas de medo e mentira.
E o osso, que outrora foi sustento e nome,
Agora é arte em moldura de pira.
Cada vela que arde, uma alma que clama,
Cada chama que dança, um eco perdido.
E o silêncio, que grita, como um cão que proclama,
A danação eterna de um grito contido.
Ó altar das sombras, teu frio é voraz,
Devora os vivos com fome insaciável.
E teus espectros, em marcha mordaz,
Celebram a vida como algo desprezível.
Os punhais descansam em mãos invisíveis,
Enquanto o crânio sorri em ironia.
São armas das sombras, ferramentas terríveis,
Que ceifam a aurora e criam a agonia.
Lúcifer, o portador da chama eterna,
Preside este culto de dor e açoite.
Seu riso ecoa como a luz que governa,
Mas aqui só há trevas, o altar da noite.
E o cálice rubro, cheio de pranto,
É bebido por lábios de caveiras sem vida.
Cada gota um suspiro, cada gole um encanto,
De morte, de dor, da alma perdida.
As portas desta catedral são seladas,
Com ossos de homens que ousaram sonhar.
E os corvos, guardiões das almas profanadas,
Vigiam as trevas, prontos a devorar.
E assim este templo de mármore e mágoa,
Permanece ereto, eterno e sombrio.
Seu sangue é o oceano, sua carne é a água,
Que alimenta o vazio, que engole o bravio.
Ó altar que respira, criatura nefasta,
Que devora o tempo e repele o sol.
Tua fome é o grito, tua carne é vasta,
Teu canto é a morte, teu reino é o anzol.
Que venham os séculos, os deuses e os homens,
Que tragam seus sonhos, seus risos e glórias.
Aqui tudo finda, sem títulos ou nomes,
Nas páginas negras de tuas histórias.
E ao final, quando o cosmos sucumbir ao nada,
E as estrelas caírem em pó e vapor,
A catedral das sombras, ainda elevada,
Será o último altar do eterno pavor.
Pois aqui, na morada onde a dor é rainha,
Não há redenção, nem luz, nem saída.
Só ecos de gritos, só a morte sozinha,
Cantando a vitória da vida perdida.