MAYOMBOLA
Eeeh! ventava e ventava imenso lá no mato
Um vento esquizito e grávido de ira
Co' aquele modo de trovejar doido
Igual ao mais perverso prenúncio
Que vinha da alta fenda das nuvens
E que não queria jamais parar
Naquela tarde amaldiçoada
Eu posso jurar perante Sudika Mbambi
Que ainda ressoa ameaças vingativas
Eu posso jurar que ouvi e vi de perto
Cos olhos abertos num susto macabro
Coisa deveras estranha e sinistra
Que nunca imaginei acontecer comigo
Ao cair da noite trevosa, atrevi-me
A entrar na caverna da montanha dobrada
Donde vinham grunhidos e gemidos
Intensificados por toadas ecoando dolências
Alternando com gargalhadas e berros
De homens perseguidos pelo Rio afora
E vultos terríveis assobiando cada vez mais
E nessa algazarra de berros e assobios
Entremeados de assombros e lampejos
Ouvi passos pesados que se avizinhavam
E vi, toda nua ali, uma belíssima mulher
Chamando co' a lua na mão lene
E sorrindo cos seios pujantes assim
Que em transe me faziam tremer todo
Eu posso jurar perante Uyangongo
Posso jurar que vi os olhos dengosos dela
Pois os meus estavam já fitos nela
E fiquei completamente embeiçado
Por essa mulher e tanto
Essa mulher que veio não sei de onde
Posso jurar que uma voz roufenha
Dentre tantas outras assustosas
(além dos bruscos gorgolejos e arrotos)
Uma voz advertiu-me para não tocar nela
Que era Filha predileta de Kalunga*
Alma doutro mundo bem profundo —
E vinha para me levar consigo!
Saí a correr dessa tão pavorosa caverna
Gritei e corri por todo lado em redor
De espanto em espanto no lamaçal
Ao clarão de raios coléricos e troadas
Contra a chuvarada e contra a ventada
Como um doido, estonteado e desnorteado
Tropeçando em meio de nenhures
E até agora, mano — troveja e venta imenso
Venta e troveja em minha cabeça
Lembrando daquelas horas de azar e zaragata
Mais como uma zoada feroz e nefasta
Que tomava a dianteira das ondas
Do Rio também imenso e furibundo
Numa horrível tempestade rumo ao prado
Por entre os capinzais e bravios canaviais —
Eeeh! meu corpo arrepia ainda
Eu juro perante os deuses dos avós
Eu juro mesmo que vi Mayombola!*
Sudika-Mbambi: divindade que preside a meteorologia.
Mayombola: ressuscitados por artes de magia.
Kalunga: parca; morte; mar.
Escrito em Kimbundu (Angola).
Tradução do Autor.