Gabrielle

Sentada numa poltrona,

Tecido macio e encosto confortável,

Fitando sua pele pálida que dos braços desmonta,

Naquele momento tudo parecia irrecuperável.

Com uma adaga de lâmina afiada,

Corta fundo os pulsos,

Sente a dor do corte de espessura aguda,

O sangue nasce feito um rio.

A ferida logo cicatriza,

O chão ainda com marcas da investida,

Deixa o pulso sobre a vela acendida,

Vai queimando a carne de forma destemida.

Aquele cheiro de pelos queimados,

O braço dolorido e de cor vermelha com preto,

Vai voltando ao que era, intactos,

Nem bolhas ficaram como prova do feito.

Aproveita as unhas afiadas,

Rasga a pele feito uma harpia,

Somem as agressões estriadas,

De volta a sua marmórea simetria.

A mesma adaga enfia no peito,

Sente acerta o coração,

Se contorce num espasmo de desespero,

Ainda vive nessa situação.

Retirar o objeto dói ainda mais,

Dos olhos escorrem lágrimas vermelhas,

Sai correndo e pula pela vidraça que se desfaz,

Cacos de vidro adornando a pele inteira.

Pula pela janela do quinto andar,

O corpo bate no chão e quica,

Ao levantar os ossos começam a estalar,

Volta pra sua casa e se irrita.

Pensa que só lhe resta mesmo uma forma,

A dolorosa agonia de exposição ao sol,

Talvez o destino do vampiro nisso se resolva,

Sofrer essa última agonia que é a pior.

Ao adentrar a monumental casa,

Depara-se com uma figura,

Sentada na sua poltrona aveludada,

Portando-se com finura.

Não podiam ler a mente um do outro,

Mas o intruso se antecipara,

Dizia que poderia lhe fornecer o desejado conforto,

Sabia como proceder para matá-la.

Gabrielle aceitou a oferta prontamente,

Cansada de vagar por estes séculos,

Não queria mais essa repetição eternamente,

Seu fim era o que desejava por certo.

O visitante a fitou nos olhos,

Num rápido movimento,

Utilizando uma lâmina de povos nórdicos,

Arrancou-lhe a cabeça sem arrependimento.

Carregou o corpo decapitado pelos ares,

Deixando-o no meio do oceano,

Voltando para se ocupar com o último entrave,

Pegou a cabeça e a empalou num ponto.

Já havia se retirado quando o sol se manifestou,

Aquele crânio exposto gritava ao queimar,

O cadáver não tinha chama mas seu aspecto era de que torrou,

O algoz voltou ao seu constumeiro hábitat.

Sabia que era preciso fazer algo e fez,

Achava deprimente alguém antigo com tal postura,

Covardia de executar-se e dignamente perecer,

Precisou se sua ajuda para cumprir a desventura.

Cobrou seus préstimos bebendo daquele sangue,

Sua velocidade permitiu provar antes de tornar-se morto,

Ficava mais forte com aquele acúmulo de tempos distantes,

Como um parasita, necessitava sempre de nutrir-se com o outro.