Lilith

Beleza suprema exaltada em formas esbeltas,

Dádiva da estética, manifestação do ideal de belo,

Conquistadora dos mais fervorosos ascetas,

Radiante voluptuosidade que faz dos homens, libertos.

Primeira esposa de Adão,

Feita não de forma subjugada,

Mas de igual proporção,

Iguais em substância criada.

Não sujeita aos ditames de macho,

Dominadora do seu impotente consorte,

Expondo uma rebeldia incontrolável,

Expelindo vigor que impressiona os mais fortes.

Evocando o cio femininamente animalesco,

Conspirando com a natureza instintivamente,

Atraindo seres que interagem diante deste espetáculo burlesco,

Copulando em diversas esferas, prazerosamente.

Lilith é seu nome,

Repetido por gerações,

Adorado e odiado por homens,

Cabendo a ressalva de generalizações.

Pois é a representação primal do feminino,

Cabendo exposição de gênero com louvor,

Não se dizendo homem como abrangendo humanismo,

Mas mulheres/homens ou pessoas humanas, alterando o torpor.

Genealogia da consciência feminista,

Adentrando tempos primevos,

Deusa adorada em ritos de origem animista,

Sofisticando a arte de seus feitos.

Amedrontando cultuadores de outras crenças,

Motivo para jamais provarem dos seus hábitos,

Por induzir a um vício que leva fé à degenerescência,

Possuindo motivos volúveis que deturpam o dogmatismo arcaico.

Mulher no sentido mais abrangente do termo,

Rompendo a consciência masculinizante,

Sentido embrionário da vida como geradora do rebento,

Portadora do ser em seu desenvolvimento gestante.

Universo interior que remete ao esoterismo,

Natureza velada que excita os neófitos,

Atração em oposição a um hetero masculino,

Amálgama no ato de conceber o gérmen de um próximo.

Senhora do sexo na condição mais sublime,

Nada de castrações que dominam o corpo,

Mas esquadrinhando a carne sem atribuir a isso um sentido de crime,

Permitindo carícias que resultam em logro.

Coruja que alça voo na atmosfera noturna,

Onde clérigos medievos cobriam a entrada das moradias,

Com adereços religiosos simbolizando agrura,

Para rebater os sortilégios desta profana rainha.

Criatura que tomou as trevas por acolhida,

Vagando livremente ao ofuscar das luzes,

Indo na penumbra tentar as mentes adormecidas,

Mãe dos Succubus, faz das poluções um costume.

Fomenta práticas de sexo solitário por estética simulada,

Adentra a vida dos jovens na fase de efervescência dos hormônios,

Através do fetiche sexual que a sociedade produz é popularizada,

Vulgarmente cortejada, essa dama de motivos fáceis tem a libido por sinônimo.

Mesmo nos ciclos acadêmicos ela se insinua,

Seja pelas pesquisas que esbarram nas necessidades primitivas,

Ou em estudos dedicados a sua rica formosura,

Que o diga Freud e suas tão mal interpretadas teorias.

Clandestinamente infiltra-se na cultura,

Muda-se o epíteto, mas segue sua sina cármica,

Tendo o coito como regozijante labuta,

Recordando à humanidade sua vontade básica.

Sendo batizada pela Fortuna enquanto gozo,

Explodindo sensibilidade que aspira reprodução,

Cativando a um infértil ato de sentir o outro,

Reproduzindo prazer sem aumentar a espécie, extasiante privação.

Particularizando o maquinal coito social,

Individualizando o monopólio do corpo,

Propriedade que o sujeito tem por formal,

Mas que sacralizaram como templo por espúrio escopo.

Bela amante que rejeitou o Paraíso ditado por homens,

Renegou um deus másculo que oprime o poder da fêmea,

Fazendo troça das regras que dizem enaltecer e no fundo consomem,

Erigindo seu trono no substrato feminino que os machos tem por decadência.

Invocada sob o signo da lua negra,

Eclipsando a ignorância dos que temem sua força,

Desvelando um universo paralelo, feito perita feiticeira,

Bruxa seria mais apropriado, pelos elementos ditos pagãos que a fazem provocadora.

Ubiquidade por estar em cada mulher,

Assim como, em cada representação do feminino,

Mesmo quando renegada por uma resistência qualquer,

Resiste e confronta o que ameaça seu evolucionismo.

Reverenciada pelo exemplo das atenienses rememoradas,

Também pelas guerreiras selvagens Amazonas,

Por diversos cultos venusianos desde culturas ágrafas às letradas,

Pela consciência intelectualizada da Simone de Beauvoir, que emociona.

Imperatriz dos reinos ocultos aos receosos,

Guia dos audaciosos em direção ao triunfo,

Negação da idéia de sexo frágil, alimentada por inglórios,

Revolução de uma alteridade que jamais esteve em desuso.

Dominatrix do sexo frágil masculino,

Escravizando os que em Daath se perderam,

Invertendo a razão do ingênuo indivíduo,

Monopolizando a voracidade de prazeres que no descontrole se renderam.

Núpcias abomináveis para as cativas vítimas,

Obscurecendo a observação feito bruma espessa,

Revelando o vazio na sensação mais íntima,

Tendo o orgasmo como àpice de sua fortaleza.

Decepando falos em absorção genital,

Regurgitando-os exauridos e não mais rígidos,

Absorvendo o sêmen numa cópula bilateral,

Consubstanciando elementos distintos.

Afrodite liberta do romantismo dramático,

Genitora de um Eros magistralmente viril,

Deixando a seus pés mesmo os assexuados,

Seduzindo por uma virtude contagiante, febril.

Menstruação associada ao aborto,

Por isso as lendas de matar bebês,

O sangue representa o não fecundado, morto,

Fartando a literatura vampiresca com sanguíneos clichês.

Caótica senhora que fertiliza a desordem,

Colhendo seus frutos ingerados,

Transmitindo às gerações vindouras um niilismo como totem,

Escancarando os humanos hiatos.

Musa luxuriante que o Céu renegou para governar o Inferno,

Orgulho vivificado pela posição opressora que fez do primeiro homem cavalgadura,

Ruína dos ditames fálicos que o sexo oposto tem por certo,

Estandarte da vaidade entronizada como a mais resoluta postura.

Hino de louvor aos recônditos do brio feminil,

Personificação de uma dicotomia orgânica,

Adulteração de uma linguística que o macho reduziu,

Corrupção da herança de culpa adâmica.

Prostituta que serve de ícone aos marginalizados,

Sexista artista de uma dramaturgia erotizada,

Escandalizadora de beatas frustradas por seu infortunado destino casto,

Referência às donzelas que almejam ser violadas.

Insensível a um ideal de pureza virginal,

Afeita a poligamia de forma ritual no cotidiano,

Divulgadora da poliandria como socialmente normal,

Apaziguadora de machos em uma poliginia de caráter ufano.

Lilitu degenerada por ser multiplicadora da libertinagem,

Arcano dos mais antigos e poderosos,

Força destruidora que também cria em seu ciclo de rapinagem,

Vigorosa exuberância que hipnotiza os mais ditosos.

Serpente aventureira que sutilmente atrai sua presa,

Último suspiro do ósculo ardente furtado,

Panegírico a todas as delícias que o erotismo aceita,

Lúgubre figura para os enrustidos que possuem o sexo deformado.

Lilith, vingadora de tantas fêmeas oprimidas,

Caçadora implacável de pudores reguladores das potencialidades,

Luxúria máxima que não se ousa reprimir,

Devassa cínica que rege o espetáculo tragicômico com suas excentricidades.

Soturna dama cadavérica que alimenta-se do medo,

Olhar obscuro que paira sobre as expressões lívidas,

Adornando-se com adereços de fetiche sombrio, negro,

Mácula que provoca chagas nas verdades mais ferinas.

Analogia perfeita da besta travestida em bela,

Amante incansável que exauri os mais viris,

Fúria sem limites que afugentaria quimeras,

Amor incólume que seres raros terão o êxtase de sentir.