Lucifer

Ergo os olhos para este imenso céu,

Contemplo a aurora com devoção,

Me identifico com as estrelas no negro véu,

Sou oriundo de tempos imemorias a esta geração.

O solo que sinto sob meus pés,

O ar inebriante que respiro,

Dias tediosos que capto por outro viés,

Relação íntima com o que vivencio.

Anunciador da noite, limitando o vespertino,

Evocador do mais glorioso crepúsculo,

Um astro orgulhoso e deveras paladino,

Recitando nestas breves palavras seu opúsculo.

Alargando minha majestade além do horizonte,

Porque me limitar a órbita terrestre,

O universo infinito se insinua diante de minha fronte,

À minha disposição, inteiramente inerte.

Seria presunção presumir tal coisa,

Tantas teorias tentaram desvendar os mistérios,

No meu âmago, não passam de suposições tolas,

Sou o maior de todos os céticos.

Minha idade assustaria os matemáticos,

A erudição causaria espanto aos gênios,

Tenho uma existência de objetivos práticos,

Engrandecer-me, este é meu maior prêmio.

Adorado desde civilizações que inspiraram as de agora,

Mas outras vieram e me difamaram,

Religiões não sobrevivem sem deuses e inimigos para desforra,

Por essa mesquinharia me invocaram.

Eu que persistia no céu, último a se por,

Para ser o primeiro a elevar-se na manhã seguinte,

Não inspirei Prometeus aos deuses se indispor,

Minha forma rebelde sempre foi de um doce requinte.

Phosphoro, o portador da luz, assim que me chamam,

Também podia ser Heosphoros, conforme convém relembrar,

Um híbrido, Estrela D’Alva e Estrela da Manhã,

Chegando a ser associado a um androginismo secular.

Mas no berço romano conheci o belo epíteto,

Lúcifer, assim me chamavam,

De tal acunha me sinto realmente digno,

E por tempos vindouros, pessoas o ecoaram.

Um filósofo alemão acertadamente anunciou,

Mataram os deuses em nome de um outro que iria sucumbir,

Toda a beleza mítica se tornou abjeta e degenerou,

Restou apenas um monoteísmo lânguido para dirimir.

Hoje meu nome é velado, sou temido,

Passei a ser opróbrio que os vulgares rejeitam,

Em pensar que outrora era invocado pelos destemidos,

Inflando coragem aos que a covardia não mais respeitam.

Heilel Ben-Shahar, são tantos nomes,

Não contente com isso, me confundiram,

Satã utilizam comigo como pronome,

Parece mesmo ser uma Legião, isso alguns diriam.

Mas e quando a ciência desvendou Vênus,

A estrela, o astro maior, um reles planeta,

Nem os auspícios da deusa de outros tempos,

Apenas uma massa exaltada por ignorância terrena.

E quanto ao meu status deífico a duras penas conquistado,

Louvores ritualísticos e sacrifícios ofertados,

Preces investidas para atender os pedidos requisitados,

Tantos templos magníficos foram levantados.

Mas a ciência ainda é digna de minha admiração,

Permite ao homem a busca pelo além,

Transforma a realidade com tecnologia de última geração,

Desumaniza para captar o sentido que advém.

A sabedoria me fascina,

Vejo essa bela herança cultural,

Bela forma de extrair da vida

O que dela há de mais frugal.

Alguns quiseram me relegar um papel coadjuvante,

Quem sabe um cocheiro de Hélios,

Não posso aceitar um desígnio tão ultrajante,

Considero isso delírio de ébrios.

Minha natureza é magnífica, essa é sua condição,

Deter-me é renegar meu próprio equilíbrio,

Tenho a rebeldia como lema de minha tradição,

Da tolerância servil, parece não ter existido sequer um resquício.

Os apaixonados me conhecem pela impetuosidade de seus atos,

Os arredios me tem como primogênito dos mais respeitados,

Alguns captam o sentido de transformação, são chamados revolucionários,

Sou a expressão daqueles açoitados que não se curvam diante do carrasco.

Sabe aquele olhar atrevido da criança que provoca?

As palavras proferidas na fúria, intempestivas,

A avidez por aquilo que mais desejamos, quando aflora,

Uma palpitação no peito que a fúria instala de forma furtiva.

Intenso é o adjetivo mais adequado ao que sou,

Os predicados relego à imaginação popular,

Um sentido oculto deve resistir, isso sempre fascinou,

Mas poucos irão empenhar-se em desvendar.

Conheço o mundo, que não me conhece,

Os homens sabem de mim, mas não me compreendem,

O Cosmos não conheço, nem compreendo, isso me impele,

Resolver o sentido do que há, encerra nosso próprio sentido também.

Desejaram ter-me como ícone profano pelo que represento,

Sou a mudança e as tradições tremem perante minha força,

Perfeita analogia com o caos, desorientando-me, eu me oriento,

Sou a quimera da permanência falsamente protetora.

Não sonho por não dormir, ou nunca terei acordado?

Ando a todo instante, mas continuo sempre no mesmo lugar,

Sou apresentado pelas lacunas entre o destruído e o criado,

Niilista que é tudo, sendo nada, multiplicando-se em formas abissais.

Anjo caído, assim me demonizam,

Curioso como difamam seu próprio misticismo,

Destruo a esperança dos que profetizam,

Introduzo dúvidas no mais aguerrido sectarismo.

Espírito malígno, pensam assim me insultar,

Mas o que seria bem e mal neste conceito moralístico?

Criaram-me como bode de sacrifício para expiar

Os recônditos mais sombrios de seu próprio tormento panegírico.

Toda vez que olhares para o céu, lembre-se de minha imagem,

Relembro o ato de elevar-se, coloco-me acima,

Aos que desejam rebaixar-se como rebanho, de meus atos se afastem,

Aos que perseguem o ilimitado, sou um poder que a eles aglutina.

Os alquímicos souberam a respeito de minha fluidez,

Mercúrio me foi determinado pela química primitiva,

A chama que brota na fronte e comprime a estupidez,

Astucioso intelecto que religiosos aos néscios omitia.

Faço parte do fruto mais polêmico,

A Árvore do Conhecimento me foi outorgada,

Vi Adão e Eva provarem e sentirem o gosto arsênico,

Como castigo tiveram a posterior descendência relegada.

Quantos bruxos em meu esoterismo se espelharam,

Civilizações sob meus pilares tiveram ascensão,

Anciãos com minha sapiência se eternizaram,

Libertei tantos que tinham a vida como prisão.

Jamais virei a face aos que suplicaram pelo meu auxílio,

Protejo todo aquele que tem gana e realiza seus projetos,

Também não dou a outra face aos meus inimigos,

Posso ter uma fúria que evoca aquele idéia romântica de Inferno.

Meu trono não reside em nenhum lugar,

Sou etéreo por minha existencial sutileza,

Tenho como elemento regente o ar,

Minha fluidez cria uma maleabilidade de grande destreza.

Seitas se formaram a partir de meu idealismo,

Não tivemos um bispo Clagliaria (300 E.V.), chamado Lúcifer?

Desta forma a Igreja fez nascer o hoje temido Luciferianismo,

Nós criamos nossos próprios demônios, para que nos purifique.

Também sou pai da luxúria, esplendorosa rebenta,

Minha contraparte feminina, Lilith, a mais bela,

Não se pode conter a natureza libidinosa e sedenta,

Deixem a castração para a submissa geração de Eva.

Caindo de joelhos, jamais irá me reverenciar,

Meu séquito não se prostra perante nada,

Seu mérito será engrandecer, mesmo ao me negar,

Sua divindade está em si e não espere acontecer, faça.

Se através da guerra encontra-se a paz,

Que Ares se erga com soberba mediante batalhas,

Se o bélico impele auto-destruição e ao homem apraz,

Que destrua-se com dignidade, a morte será represália.

O brilho é extremo para os executores da própria vontade,

O resultado será como uma supernova recém-criada,

Transforme-se mesmo com extinção das partes,

Se a causa maior é tu, porque afligir-se em penitências infundadas?

Estarei radiante nos momentos marcantes,

Onde o olhar registrar um brilho mágico,

Das insinuações mas herméticas serei negociante,

Enfatizando momentos alegres e trágicos.

Lusbel, uma derivação latina de meu agrado,

A etimologia me aproxima com sua genealogia semântica,

Leuk, origem proto-indo-européia que haviam usurpado,

Iluminação além da simulação elementar físico-química, mas de essência.

Equívoco me darem alcunha de mentiroso,

Rasgo o véu de Maya e desvelo seu pudor,

Dispenso tal estrategema engenhoso,

Forneço a liberdade para renegarem o esquálido redentor.

Micro e macro em consonância, Trimegistus vos disse,

Acumule o que lhes fortalece, repelindo o que lhes enfraquece,

O exemplo irá persuadir aqueles que a fraqueza oprime,

Senão reduzi-los à fertlizantes revigorantes ao que lhes enaltece.

Nas palavras proferidas por Kant com maestria, ao filosofar:

“- Avalia-se a inteligência de um indivíduo,

Pela quantidade de incertezas que é capaz de suportar.”

Aprenda a não-ter, pois este será seu frontispício.

Apaguem da mente os modelos fantásticos que me criaram,

Estética belíssima ou monstruosa para excitar,

Sou indefinível para os que a si próprio não compenetraram,

Uma esfinge sempre disposta aos estúpidos despedaçar.

Humildes! Não cruzem meu caminho,

Se o fizeres, que seja para me servir de solo tácito.

Aos virtuosos! Jamais por piedade encarem o chão daninho,

Se o fizerem, sentirão o pisar sobre vós, dos realmente dignos e bravos.

O verdadeiro deus reside na sua própria interioridade,

Cultive uma doutrina particular, seja seu Hierofante,

Permita florescer um Ego sem opressões de passividade,

O Übermensch lhe será revelado como condição triunfante.

Se ainda duvidas de si e do que foi apresentado,

É assim que iniciamos, questionamos cada passo,

Mas se arrefece o ânimo com um conformismo imediato,

É que sua natureza é de cordeiro, de cada ação sua me afasto.

O “conhece a ti mesmo” aqui é irrefreado,

Adentra sua Anima e explore a caverna,

Encontrará no labirinto seu Minotauro aprisionado,

Enfrenta-o e torna-te um Teseu que na Terra impera.