Mephistopheles

O mundo contemporâneo é caótico,

Muito além das perspectivas mais otimistas,

Pareço em dado momento sofrer delírio de ópio,

Ainda me apego a drogas tradicionalistas.

O olhar vazio do homem de agora é insano,

Desconhece sua própria natureza,

Nunca a conheceu, mas antes existia magia, como engano,

Restam apenas especulações e maliciosa destreza.

As metrópoles cinzas refletem o estado sombrio,

Mais uma apatia diante dos fatos cotidianos,

Pessoas sem anima, entregando-se a um mercantilismo doentio,

Nem se importam com dogmas considerados profanos.

Céticos embrionários, desde a tenra infância são cínicos,

Bebem da vida como se fosse uma bebiba qualquer,

Desperdiçam os instantes que não se repetem, tornam-se depressivos,

Tentam fugir a todo instante de si, mas o fantasma persegue onde estiver.

Não tenho mais nenhum engenhoso Fausto para brincar,

Triste ironia, os cientistas de agora já estão escravizados,

Seus motivos mirabolantes não conseguem me impressionar,

Tenho olhos cansados voltados para algum rebento inesperado.

Os jogos com as divindades ficaram fastidiosos,

Procuro criar meu próprio entretenimento,

É nas crianças ainda inocentes que lanço meu logro,

Depois espero resultados, tendo a paciência de aturar o tempo.

Respiro esse ar poluído, contemplo a atmosfera ferida,

Perambulo pela miséria das ruas com arrogância,

Vou em bares modernos e bebo vinho de nobres vinhas,

Logo após, como algo para satisfazer a gula que tem ganância.

Minhas vestes são de uma simplicidade aristocrática,

Hábito de se impor através de misteriosa estética,

Gosto de impressionar minhas vítimas de forma caricata,

Pra no final transformar tudo em vulgar pilhéria.

Os corações apaixonados são campos verdejantes,

Ainda consigo fertilizar o tolo romantismo,

Amadureço os jovenzinhos e seu sentimentalismo cativante,

Em seguida, rompo laços e mostro-lhes a face do abismo.

Não inspiro obras magníficas feito a que Goethe me dedicou,

No máximo algum protestante me xinga em ritos atrasados,

Também tenho certo séquito de garotos rebeldes, fascinados pelo horror,

Mal sabem que seus modos não passam de medíocre teatro.

Jamais fui privado da Luxúria, doce companhia,

Voyeur assíduo dos prazeres carnais mais fogosos,

Em dado momento entregue a libidinosas carícias,

Terminando em um ato frio e sem gozo, tenho prazeres tortuosos.

As guerras estatísticas tiraram o brio da batalha,

Imiscuir-se por telas de computadores feito vídeo-games,

Se privando do confronto, sangue, vitória árdua,

Claro que bem servido de tecnologia que se recicla constantemente.

Sou afeito a dramaturgia épica,

Aqueles espetáculos tragicômicos,

As personagens ordenadas com estratégia,

Para se misturarem em desordenança exaltada, feito versos ditirâmbicos.

O intelectualismo incentivou-me em instantes,

Mas passou o Iluminismo e a razão fez-se frágil,

Por mais que se dedique a um cientificismo de rompantes,

Relegaram o conhecimento a algo mercadológicamente apresentável.

A ética virou estandarte das futilidades mais grosseiras,

Moral, que sempre reprovei, agora é chacota,

Existem calvinistas de plantão que deblateram baboseiras,

Mas não é privilégio desse grupo, a religiosidade é ignorante por cotas.

Adoro espreitar os muros sagrados,

Ver a malícia no olhar pedófilo do sacerdote,

Sacristãos temendo diante de suspeitosos agrados,

Sem contar a continuidade da Igreja em buscar dotes.

Nos lugares de enclausuramento que me farto,

Ver monges restringidos em hábitos policiados,

Ou beldades de freiras esperando um divino falo,

Não mencionando as carolas com seu ardor celibatário.

As drogas se tornaram comuns e angariam muitos adeptos,

A corrupção se alastra em todos os níveis da dita civilização,

Muitas autoridades assumem um poder ditador com ar paterno,

Todos preocupados com uma sede de poder sem finalização.

Me serviram diversas entidades demoníacas,

Adotando formas femininas em contrapartida a minha masculinidade,

Mas pertenço a região insodada de androginia,

Os humanos teriam como grotesco o que reside na obscuridade.

Mortes continuam inspirando as mentalidades populares,

O oculto imanifesto em vida, tende a produzir fascínio,

Cercados de ritos, abraçam o fim com mágica arte,

Temerosos pelo rompimento do que crêem ser um ciclo.

Os aguerridos cavaleiros da luz são inocentes,

Não atinaram para um princípio básico,

Onde há luz, existe sombra, a treva é consequente,

Diria mais, ela antecede a luminosidade em estado mais embrionário.

Divagar sobre temas além dos sofismas atuais,

Isso é o que faço de melhor, sou servido de boa retórica,

Ignoro calendários que buscam regular estados temporais,

Minha dimensão engloba o que há, preservando multiversos afora.

Demonizado por um ranso medievo,

Fomento o preconceito para utilizá-lo em meu proveito,

Sou versátil em moldar a realidade do meu jeito,

Barganho com os homens e todos acabam revelando terem algum preço.

Os animais ditos não-humanos seguem seu ritmo,

Os sapiens sapiens se imaginam além do bestial,

Mas já admitem entrecruzamento para uma gênese do seu evolucionismo,

Teorias efêmeras que cairão por terra, tratadas como primitivismo boçal.

O humano se aterroriza tanto comigo pela revelação,

Sou de sua própria natureza, não conseguem admitir,

Adestram-se de forma a expulsar sua potencial reação,

Enfileirando rebanhos restritos a quem os quiser dirigir.

Me orgulho de ter produzido tamanho estrago,

Este reino me pertence sem nenhuma dúvida,

Basta um relance de olhos para os seres alienados,

O homo intellectus se vendeu da forma mais espúria.

Nos versos do escritor alemão, a personagem ainda lutou,

Hoje em dia se confortam docilmente,

Apáticos, sucumbem desde o início do duelo, como quem prostou,

Cordeiros que tornam a caça deprimente.

Otimista, angario exceções em meu honorável currículo,

Feito no xadrez, preparo furtivos e hábeis movimentos,

O esforço é compensado pelo prêmio conseguido,

Examinando do alto a derrocada dos inocentes sedentos.

A cibercultura me expõe ao mundo,

Estou em toda parte, competindo a onipresença,

Necessário a ponto de sem minha presença, o sentido ser absurdo,

Porque sou a garantia da vaidade exaltada com veemência.

Louvado sou, não por cultos ricamente elaborados,

Mas pela razão de uma modernidade entronada,

Me tornei o arcano que na essência humana é mais professado,

Signo máximo da desumanização mais acentuada.

Para me corromper precisariam se auto-destruir,

Renegando-se em um retrocesso a tempos primevos,

Mas aplicaria ainda assim a lei do eterno retorno ao diluir,

Novamente prestariam contas a meu ser, tentados pelos motivos primeiros.

Acredito na amálgama que sofremos,

Aproveitá-la seria a dádiva mais sublime,

Mesmo que tenha como fim o desastre que antecedemos,

Se nada fica, contribuiremos com a mudança, feito heraclítico crime.

Sou acusado de mentiroso, mas e a culpa de quem se deixa enganar?

Culpados existem desde que percebemos outros bodes para expiar,

Responsabilidade pelos atos é o cárcere que a liberdade irá lhe confrontar,

Assumir sua virtude será a forma mais digna de viver sem se curvar.

Mas não são as palavras de um vil enganador que devem seguir,

Busquem suas próprias conjecturas, pois as respostas estão no “conheça a si”,

Insondável é somente aquilo que afastamos por receio de descobrir,

Homem, tu és o tudo e o nada, mas acreditem, poucos entre vocês irão subsistir.