O Teísta e o Ateísta
Olho, com estes olhos que a terra há de comer,
Procuro por entre brechas infindáveis,
Onde está este sentido oculto do viver?
Só encontro vazios entre lacunas intermináveis.
Sinto, sem precisar destas órbitas para captar a visão,
Estremeço diante do inimaginável,
Caio de joelhos perante a inesgotável imensidão,
Cada ato é de natureza insondável.
Caminho por entre rotas mal traçadas,
Os pés sucumbem diante da contestação telúrica do solo,
As pegadas são rastro que o vento virá apagar,
Cada passo determina um antes e um depois, este é meu futuro mais próximo.
Minha passagem é efêmera, sei que esta estrada é passageira,
Os contornos que compõem este cenário,
Darão lugar a novas linhas retraçadas, umas faltando eiras, outras sobrando beiras,
E nós aqui, indifirentes, feito perdulários.
Minha privacidade é feita de propriedade conquistada,
Somas que dão ilusão de acréscimo, firmando uma idéia de “ter”,
Presentes materializados em objetos de moral aburguesada,
Mimos de uma vivência que poucos, talvez nenhum, consiga entender.
Morada de tantas moradas, aqui me foi ofertado estar,
Respeitoso, resignado diante de um sedentarismo,
O cotidiano faz deste meu território, um mero lugar, deveras vulgar,
Conhecido por uma residência relegada ao fixismo.
A vida é jogo, nada mais que isso, por mais que se queira romantizar,
O tabuleiro está motando e nós compomos as personagens da partida,
Para uns pode manifestar-se por sorte, para outros será azar,
Os dados serão rolados, as peças movimentadas e no fim, a Foturna quem regozija.
Vida dadivosa, colheita próspera diante dos desafios deste semeador,
Os frutos serão colhidos apenas após labuta árdua,
Muitos estarão diante dos campos férteis, poucos darão um bom agricultor,
O deserto pode se fazer presente, por mais que não falte água.
A história demonstra a faticidade que contradiz o pressuposto,
O tempo passa, o que se foi é lembrando, jamais como era,
As deduções buscam antever para ludibriar-nos com possível repouso,
Enquanto o movimento pendular nos joga de um lado a outro, o presente se desintegra.
Profetizo por palavras que escapam o sentido gramatical,
O verbo se faz além de sons, formas, manifestações físicas,
Tornar-se uma idéia que voa sem asas, feito sombra espectral,
Um eco que ressoa infinitamente, compondo uma homenagem lírica.
Minha razão demonstra por a + b, o que racionalizo,
Trago para a esfera do conhecimento, o que é possível,
Não faço do conhecido uma verdade rígida, eu problematizo,
Minha pretensão é pouco fugir do considerado tangível.
Desrazão é o que alimenta minha crença,
Por mais que um cientificismo tardio ainda queira usurpá-la,
Não posso acreditar que algo tão racionalista me convença,
Sou dado a algo que escapa dessa formatação de cátedra.
Meu organismo resiste a uma série de fatores naturais,
A tecnologia tenta coibir o processo degenerativo,
Mas a decrepitude faz parte do ciclo de vida dos animais,
Não posso ser egoísta a ponto de desejar, que na natureza, o homem seja imperativo.
O micro apresenta o sentido reduzido do macro que ordena,
Um templo vivo que emana algo que excede seu espaço corpóreo,
Contido por certo invólucro que em certa etapa abriga, mas não de forma plena,
Desabrochando ao ponto de não mais necessitar ardil fóssil.
Leio em busca das contradições, fomentando um hermetismo literário,
Na linguagem existe a captação de uma poiesis humanística,
Também a própria desumanização desta grafia de ar dogmático,
Corrupção da lógica em prol da idealização auspiciosamente artística.
Regimentaram as leis divinas em letras, para reafirmar o dogma,
A escrita também corrompe, não se pode confiar em incólumes escribas,
Se a língua viva é descreditada, o que dizer então da carcomida língua morta,
É no coração que se inscreve o não captado por vãs escatologias.
Meu dever é cumprir dentro da ética, com isso revigorar a sociedade,
Comprometimento que o caráter de espécie confere ao sujeito,
Valores resgatados de uma herança deixada por pretéritas posteridades,
Sentimento que uma virtude construída torna legítimo por direito.
A moral que me sustenta é extra-física,
Através deste dogma revigoro minha condição de crente,
Revivido em uma absolutização metafísica,
Ambicioso pelo advir que pra muitos não passa de sentido ausente.
Na profissão escolhida exerço um ofício,
Dou minha cota de contribuição a esta sociedade tecnicista,
Procuro aliar uma utilidade social naquilo que pratico,
Mas não posso fugir do caráter pecuniário que o contra-cheque mensal suscita.
A labuta serve-me de expiação, que desde a Gênese foi proclamada,
Mas o velho tripalium não condiz com a dignidade servil,
Sei que enalteço o divino, mas também cresço pela tarefa executada,
O desenvolvimento corpóreo necessita deste exercício nada desprezível.
Amo pela paixão que alimenta minha libido,
Além do sentimento que nutre o relacionamento,
Condição das relações de gênero, tendo por fim os filhos,
A procriação dá o sentido que excede nosso próprio tempo.
Crescei-vos e multiplicai-vos, assim sigo a tarefa,
Meus rebentos serão a consolidação da herança divina,
Filhos entre tantos filhos, todos irmãos de um único Pai que atesta,
Providência atestada pelo fortalecimento da família.
Pouco conhecemos e muito temos a contradizer até onde for possível suportar,
Evoluções de organismos que desenvolveram-se até um estado cognitivo,
Carregando o fárduo do não-saber, uma interrogação que insiste em atormentar,
Por outro lado, a morte à espreita, a certeza que temos é do nosso ciclo ser finito.
Quanto mais abstrato, mais livre me sinto,
Vou desfazer qualquer logicidade nas incertezas que a fé garante,
A autenticidade não está relegada a um racional domínio,
Diluir não por completo, apenas ao ponto de não mais certificar-se do instante.
Se o tempo existe, que venha impor-se sobre meus dias,
O corpo deteriora, mas a mente ignora as mazelas da vida,
Talvez uma patologia neurológica antecipasse uma agonia,
Criando um caos que talvez a moléstia, por defasar a consciência, a angústia dissiparia.
O tempo é um nada diante da imensidão do eterno,
Serve de intermediador entre estados aparentemente distintos,
Sendo revelada sua farsa quando o véu for rompido por completo,
Abrindo um plano assustador, ao mesmo tempo acolhedor, que se esvai ao infinito.
A mente lateja diante dos dados aparentemente captados,
Um bom trago de bebida alcóolica espalha as certezas de forma diluida,
Tonteando o corpo dependete do cérebro que sucumbe ao embriagado,
A realidade desaperece em mesclas de imagens distorcidas.
Mergulhado nas trevas do subconsciente, parece que o próprio universal se rende,
Pequenos flashs que se fazem estrelas em meio à penumbra do mental,
Perdido em si, encontrado por dedução que a razão remete a um eu em forma de ente,
Tentando escapar de vez, mais enclausurado na sua realidade corpórea de âmago abissal.