O POETA E O TEMPO
Não escrevo para me fazer notar
Antes, escrevo para desaparecer
... Me fazer invisível neste mundo tenebroso
Ouvir à mim mesma no silêncio que me inflijo
Não canto canção alguma
Não mostro meus dentes
Não sorrio nem choro
Faço-me dormente
e demente...
Há cada verso um pouco de mim se esvai
Escorre por entre as areias do tempo
Sou raiz, sou matriz, sou nada, sou tudo, sou folha e sou vento
Mas na poesia
Alheia ao verbo não quero ser nem mesmo escuridão
Porque o poema me é
O poema me delata,
me mata,
me revive e me conclui.
Fora isso nada me seduz
Nem o beijo ausente
Nem o que ganhei da boca embriagada e inconsciente ( do beijo)
e de mim.
Não tenho pretensões de ser poeta
Não tenho pretensões de ser lembrada
Quero apenas ficar
... Ficar aqui
Onde nada me toca
Embrenhada no covil das palavras
Intocada em meio aos substantivos que não sustem cousa alguma
Deus, como pesam os dias de ontem
e como são mordazes as horas de hoje!
Somente o amanhã me é leve
Levíssimo!
Pela possibilidade da não existência.