Para saber-se sabedor de nada...
Esses cantares de boca de gamela,
de tanto estrídulos, produzem vento
e apagam o lume rubro da candeia,
matam o halo dourado d’arandela,
tão mais etéreo que o pensamento
ou mais luzente que a lua cheia.
Esses vibrares de foles aflitos,
mais rangentes que o carretão que chia
no duro aperto do eixo e da roda,
matam o sonho dos seres contritos,
assassinam a fé e a vera alegria
que a cupidez sombria caça e poda.
Esses sonhares de olhos noturnos
varam as madrugadas assombrosas
e bailam pelas lápides jacentes,
nos assoalhos pétreos e soturnos
onde murcham e fenecem as rosas
e pousa o negror das asas silentes.
Para saber-se sabedor de nada,
mui menos há supor-se sabedor de tudo,
mais dorido que a cinérea e ruda estrada
é cada passo claudicante e muito rudo.
Inverno de 2016