Há algo...
Algo cai do ceu com vergonha de si mesmo
É uma covardia da gravidade?
Ou apenas uma má verdade?
Sei que cai e cai querendo não cair
Cai querendo não sair lá e tão pouco chegar cá
E o mais terrível é que cai mesmo assim
Sem dá trégua para secar
Sem imaginar um descansar
Talvez seja mera ilusão da janela
Talvez seja mera ilusão do coração
Mas ainda consigo captar algo
Quem me dera poder bloquear essa onda
Sem degustar essa dor que vem desse algo de lá
Algo que vem de algum lugar
E vem sem querer sair de lá
E vem sem querer chegar pra cá
O que será que é que cai?
Lá fora ainda chove forte
Ao menos as plantas gostam
Cá dentro ainda deixo aberta a torneira
Ao menos posso me lavar
Mas não quero nesse mar navegar
Pra que enfrentar essa forte correnteza?
Mas sou teimoso, acendo a luz e lavo o rosto
Enxugo meu rosto pra não ver mais desgosto
E feito bobo penso estar mais forte
Penso que algo não cairá mais
Até que a armadura de metal começa a enferrujar
Não aguento, não aceito, não me importo mais
É tristeza, raiva, solidão ou talvez que mais ou menos não?
Já nem sei mais o que sentia e nem mais sei se sinto algo
Talvez seja a partir de agora uma total anestesia de sentimentos
Não vou recuar! Apenas enterrar recordações pelo tempo
Nesse passado que é um presente eterno em minha mente
É um presente que chega a me deixar doente sem sentir dor
O que posso fazer se esse algo não para de cair?
Essa força da gravidade é cruel demais
E a piedade da torneira incapaz de manter o disfarce
Reconheço que desgosto dessa minha fiel companheira
Tantos encontros e milhares de gotas desperdiçadas
Resta-me cortejar a paciência dessa traiçoeira displicência
E lembrar que um rio pode vir a secar
E talvez o profeta esteja certo e a profecia vire realidade
Talvez um dia meu mar de prantos vire um sertão sem encantos