Beijo da Morte
Um suspiro apenas,
Nada mais que isso,
O sopro leve que venta
Daqueles lábios ressequidos.
Atmosfera tenebrosa,
Clima em harmônica penumbra,
Ar gélido por fossa,
Dor que aos poucos angustia.
Sentimentos misturados,
Lágrimas secam no deserto do rosto,
Pelos simuladamente arrepiados,
Tremores de um Parkinson tosco.
Olhinhos brilhantes espreitam,
Enquanto o negrume moribundo
De uma visão de olhos, que teimam
Em permanecerem ocultos.
Constipação por certo temor,
Tez arrefecida termostáticamente,
Suor reprimido nos poros de terror,
Adrenalina constatada orgânicamente.
Soluço contido como pigarro,
Respiração ofegante de asmático,
Pulsação com ritmo acelerado,
Entusiasmo de trejeito fleumático.
Dedos estalados como gravetos quebrados,
Sons emitidos de forma contida,
Olhar mantendo-se por hábito, baixo,
Ilusões vagando sem destino, perdidas.
Aquele esboço de sorriso macabro,
As sombrancelhas decaídas,
Pelos de barba ansiosamente arrancados,
Pés estalados em demasia.
Roupas expressando a maneira sombria
Daquele momento único,
Onde todos se misturavam por simpatia
A este cenário misantrópico.
Os chapéus engolindo cabeças acéfalas,
Sobretudos esvoaçantes, retos,
Engenharia de arte alfaiate, agora falácias
De indústrias em linhas de produção, por certo.
Cantos sufocados por inquisidora depressão,
Gritos que ecoam pra dentro,
Esperanças mortas pela última emoção,
Tosse como soluço de lamento.
Abraços que se abrem feito asas negras,
Urubus os adultos, as crianças pequenos corvos,
As mulheres feito enegrecidas freiras,
A cripta decorada pro’s vivos com desculpa de serem pro’s mortos.
Aquele amor esquecido pelo tempo,
Nostalgia de um romantismo fraco,
Berço de um rejeitado rebento,
A morte só nasce a partir de um sepultado.
A música é sussuro desarmônico,
Tendo como empatia a tristeza,
Os copos trazem café, acorda os atônitos,
Ao mesmo tempo combina, sendo bebida negra.
As unhas roídas até sangram,
As pernas balançam frenéticamente,
Cabelos que mãos aflitas desgrenham,
Desmazelo estético de situação deprimente.
Óculos de lentes escuras travestem o olhar,
Botões servem de brinquedo aos dedos,
Fivelas de cintos verificadas por verificar,
Toda sorte de objetos corpóreos perdem o sentido de adereço.
Mobília de uma rusticidade amórfica,
Pensamentos indo e vindo, caos de imaginação,
Vez ou outra uma exaltação alcoólica,
Algum choro mais espetacular chama atenção.
A língua toca o céu da boca, seco, em estiagem,
Os dentes trincados raspam-se em fricção,
Esse turbilhão é orgânico, humana engrenagem,
Mas não me sinto mecânico, mesmo sem emoção.
Abrir e fechar de olhos cansados,
Bocejos anunciando a fadiga,
Corpos apoiando-se, escorados,
Noite adentro em sôfrega agonia.
Natureza morta é esta arte cadavérica,
O resto que contemplo é cinza,
Uma demasiada mixórdia tétrica,
Revestida de paisagem cínica.
Oração, há quem a faça,
Prefiro não invocar outros mortos,
Afinal, o que são deuses em forma abstrata,
Senão putrefatos que existem sem corpos?
Aqueles ossos resistem certo tempo,
Mas não me enganam, sei que irão decompor,
Uns duram mais e outros menos,
Mas no fim tudo perece para se transpor.
Hálitos que criam neblina nas vidraças,
Aroma de flores em demasia,
Insetos são atraídos e permanecem por pirraça,
O ciclo da vida da morte não se desvia.
A fome inexiste, some o apetite,
As folhas parecem cair de forma mais lenta,
Algum pássaro se empolga no zênite,
A neblina chega de forma lenta, torna-se densa.
Rostos interpretam diversas personas,
Gestos parecem danças de marionetes,
Vultos passam como corrente brumosa,
Passos ouvidos como pesaroso frete.
Céu de uma noite deveras sombria,
Nuvens despercebidas e estrelas perdidas,
Rotação terrestre percebida por tontura,
Gravidade sentida pelo peso das feridas.
Busca por manter um silêncio,
Como se honrasse aos que não falam mais,
Quebrado em vários momentos,
Pela vitalidade falada que a morte apraz.
O galo a Esculápio pode ser ofertado,
O caixão dirige-se ao conspícuo destino,
O tempo cicatrizará o fato lembrado,
Vida e morte estão entrelaçadas por tênue fio.