Morto-Vivo
Como é morrer estando vivo?
Acordar e não se perceber,
Olhar para o nada imprevisto,
A ausência manifesta de um ser.
Desfigurado frente a si mesmo,
Enlouquecido pela razão improvável,
Buscando-se em meio ao desespero,
Favorecido pela insanidade inabalável.
Consumido por vermes espectrais,
Névoa que se acentua perante o imanifesto,
Dor sem sentir dos calabouços abissais,
Fadiga impertinente que lhe movita como protesto.
Vulgo lunático da desesperança,
Coveiro de uma sepultura vazia,
Em meio a convicação da própria matança,
Síndrome enloquente de uma intransponível apatia.
Sonoridade delicada do vácuo insuspeito,
Fuga rebelde do instante que se liquefaz,
Sentimentos de um humanismo imperfeito,
Mediocridade de um rebento ineficaz.
Entrelaçado em uma torpez salamandrica,
Carcomido como ultrajado Prometheus,
Sem fé alguma ou ilusória esperança,
Renegando qualquer abstração manifesta como deus.
Reproduzindo uma geografia sem espaço,
Adormecido sem Morpheus para guiar,
Adornado com seu corpo em pedaços,
Melancólico sem motivos para prestigiar.
Paralítico por sua natureza doentia,
Miserável pela consciência fragmentada,
Cadáver imolado com mestria,
Inocência famigeradamente desgraçada.
Roto de uma insipiência virulenta,
Austero pesadelo labiríntico,
Criança de prole pestilenta,
Persona de caráter vingativo.
Larva de uma mórbida mariposa,
Esconderijo dos suicídios vivos,
Alimento da mais cretina pachorra,
Fruto de misantrópicos interativos.
Conveniência do ceifar da morte,
Camponês da fértil tragédia,
Jogador que há tempos entregou sua sorte,
Prisioneiro de um cárcere sem celas.
Canto agonizante de um corvo,
Batendo as asas negras em contraste com Nyx,
Bêbedo com pensamentos absortos,
Somodizado pela vida como esta fosse uma sádica Dominatrix.
Suando gotas de um orvalho apodrecido,
Salivando o sabor amargo do embuste,
Sentindo o aroma de um suspiro arrefecido,
Soluçando nódulos de seu pequeno truque.
Acorrentado pelas ramas enegrecidas,
Que se proliferam por onde passa,
Como uma maldição, a cada passo revivida,
Em forma de serpes endiabradas.
Com olhos de uma escuridão absoluta,
Consumindo a luminosidade fraca,
Tateando uma materialidade difusa,
Admoestando promessas parcas.
Vilipendiando a estrutura orgânica,
Volatilizando a solidez física,
Travestindo-se por ignorância,
Assumindo postura ridícula.
Abrindo feridas como valetas,
Deixando escorrer o fluído das fossas,
Nauseabundo com extrema destreza,
Palhaço decrépito de uma última troça.
Vernáculo atávico de um lugar inexistente,
Rastro do que deixa de ser a cada momento,
Renegado, torna-se um auto-excludente,
Abandonado, sem qualquer provimento.
Olha para a alma que não possui,
Reflete a partir do corpo em decomposição,
Sabe que Chronos a cada instante lhe diminui,
Amaldiçoa sua limítrofe condição.
Os olhos secos não derramam uma lágrima sequer,
A tez começa a esfarelar-se como terra,
Apóia os membros sobre o vazio inerte,
Desfaz-se como castelo de areia em praia deserta.
O pó que se esvai ao vento tirano,
Compõe um cenário jamais esquecido,
Onde o lamento se renova, como eterno coetâneo
E o hiato se perpetua como iracundo depressivo.