LAMENTO

Se fosses minha, eu te abraçaria até que dissolvêssemos em um só

Mas não és minha, não és nem tua, nem sou de mim

Somos dois estranhos ora à deriva, ora enclausurados juntos numa redoma, tentando aparar as arestas

E os dedos que se entrelaçam, não são dedos, mas nós preparados para os pescoços

Do peito à garganta, uma tonelada de culpa me obstrui a respiração

A vontade de ti e a incapacidade de te merecer é equação que não fecha

Solitários neste lugar, quem fomos?

Talvez fantasmas, imunes à ordinariedade de tudo

Talvez somente peças deste cenário de dor e miséria chamado existência

Porque o sofrimento pelo antes, pelo agora, e pelo depois é o único companheiro da alma

Indiferentes, apáticos, cada qual à sua maneira

Eu, pela falta de reação à simplicidade de uma interação, de um diálogo que fosse

Tu, por motivo escuso que desconheço

Não sei quem és: desejo-te, ainda

O absurdo do fato me corroía, me dava ganas de sair correndo, lançar-me em frente a um automóvel, achar a porta de entrada daquele prédio de vinte e tantos andares... Mas, na covardia que sinto (em todos os aspectos possíveis)

Em dar fim ao que não se iniciou

Em deixar este plano que me consome segundo a segundo

Em tentar sentir-te o toque, mesmo enfatizando que não o queres

Eu me diluo sozinho pela calçada, no banco do ônibus, em minha cama, finalmente,

Para acordar para a mesma realidade-ficção de uma vida por se viver

Quando a ânsia pela não-existência é a única coisa que faz sentido nessa mudez sem fim, despedaçadora que sobrou do nosso abraço...

[s.d.]

Poema publicado em:

PUPO, Fábio Henrique. et al. "Verso & Prosa: Projeto Poesia na Escola". 6.ª ed. Brodowski: Editora Palavra é Arte, 2021.

F H Pupo
Enviado por F H Pupo em 21/03/2025
Reeditado em 22/03/2025
Código do texto: T8290641
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