[musa]
Sigo sem saber
O que foi feito da musa do poeta
E das linhas que ela levou
Quando deixou de ser
Sigo
Porque seguir é o que resta
No aparar dessas arestas
Dos nadas
Do improvável
Do impossível
Do irreversível
Daquilo que sobra porque não cabe
Daquilo que escora
Uma porta emperrada
Que já não abre
Daquilo que sofre
Nas madrugadas
Em beiras de praias
Em beiras de estradas
Meu estado é crítico
E se não fosse por isso
(esse pedaço de papel onde vivo)
Não restaria nada
Porque a musa,
Ao deixar de ser amada,
Se vale da ausência
Da saudade
Da falência dos meus órgãos
Dos meus gostos
Dos meus tatos
Dos meus eus entrelaçados
Dos sentimentos soterrados
Das lágrimas que escorrem
Dos gritos que atravessam
Do estômago embrulhado
Do incômodo que não cessa
A musa do poeta
Se vale de saber
Que vale mais que a poesia
Vale mais que as alegrias
E se sente tão toda
Tão sendo
Tão tudo
Que joga o poeta
Num perpétuo estado de luto
E não liga
Por não ter porque ligar
Não entende
Por não tem o que entender
Porque sabe que, na verdade,
O poeta não nasceu pra ser feliz
Ele nasceu só pra morrer
E ela lida com isso
Como se fosse coisa pouca
Como se o poeta,
Mesmo meio louco,
Não fosse frágil,
Não fosse tonto,
Não fosse gente
Como se poeta
Fosse do tipo
Que não sente
E o poeta sofre
Porque sofrer é o que ele sabe
De sofrer é que ele entende
O poeta só queria
Não precisar ser resultado
Ele queria ser... semente
Ele queria ser regado
Ele queria ser cuidado
Ele queria ser jardim
Ele queria uma história de amor
Que não tivesse fim
Ele queria
Uma cena de novela
Com final feliz
Ele queria tanto
Ele queria tanto
Ele queria tanto
Que acabou se enrolando
E ficando meio desconexo
Só sobraram pro poeta
A solidão
E a sina eterna de viver
Com o que sobrou
Dos próprios versos.