[musa]

Sigo sem saber

O que foi feito da musa do poeta

E das linhas que ela levou

Quando deixou de ser

Sigo

Porque seguir é o que resta

No aparar dessas arestas

Dos nadas

Do improvável

Do impossível

Do irreversível

Daquilo que sobra porque não cabe

Daquilo que escora

Uma porta emperrada

Que já não abre

Daquilo que sofre

Nas madrugadas

Em beiras de praias

Em beiras de estradas

Meu estado é crítico

E se não fosse por isso

(esse pedaço de papel onde vivo)

Não restaria nada

Porque a musa,

Ao deixar de ser amada,

Se vale da ausência

Da saudade

Da falência dos meus órgãos

Dos meus gostos

Dos meus tatos

Dos meus eus entrelaçados

Dos sentimentos soterrados

Das lágrimas que escorrem

Dos gritos que atravessam

Do estômago embrulhado

Do incômodo que não cessa

A musa do poeta

Se vale de saber

Que vale mais que a poesia

Vale mais que as alegrias

E se sente tão toda

Tão sendo

Tão tudo

Que joga o poeta

Num perpétuo estado de luto

E não liga

Por não ter porque ligar

Não entende

Por não tem o que entender

Porque sabe que, na verdade,

O poeta não nasceu pra ser feliz

Ele nasceu só pra morrer

E ela lida com isso

Como se fosse coisa pouca

Como se o poeta,

Mesmo meio louco,

Não fosse frágil,

Não fosse tonto,

Não fosse gente

Como se poeta

Fosse do tipo

Que não sente

E o poeta sofre

Porque sofrer é o que ele sabe

De sofrer é que ele entende

O poeta só queria

Não precisar ser resultado

Ele queria ser... semente

Ele queria ser regado

Ele queria ser cuidado

Ele queria ser jardim

Ele queria uma história de amor

Que não tivesse fim

Ele queria

Uma cena de novela

Com final feliz

Ele queria tanto

Ele queria tanto

Ele queria tanto

Que acabou se enrolando

E ficando meio desconexo

Só sobraram pro poeta

A solidão

E a sina eterna de viver

Com o que sobrou

Dos próprios versos.

Elizabeth Gomes
Enviado por Elizabeth Gomes em 22/02/2023
Código do texto: T7724997
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