Aquele Piano
Parado, no canto da sala,
Coberto por uma camada de poeira,
Um dia suas teclas foram tocadas,
Existia melodia que ecoava na rua inteira.
Agora está ali, largado,
Parece uma peça de antiquário,
Só que sem valor ofertado,
Uma arqueologia do desnecessário.
Me recordo dos dedos suaves,
Ana percorria à procura das notas,
Não há tristeza que apague,
Um momento desse na memória.
Beethoven parecia tão familiar,
Nada daquela erudição distante,
Mas um afeto de motivo popular,
A vida se tornava deslumbrante.
Agora vejo essa peça no canto,
Esquecida de todos,
Não consegue nem causar pranto,
Está inclinado, torto.
Sem a música,
O piano torna-se apenas objeto,
Causa-me angústia,
Parece um olhar que se faz cego.
Ana, queria você aqui,
O piano teria de novo serventia,
O instrumento voltaria a existir,
A canção da vida se revigoraria.