Saudade

Falar do que sentimos por uma ausência,

O estado não presente do que desejamos,

Mesmo sendo dotados de imensa paciência,

Nunca haverá asilo à aflição pelo que esperamos.

O peito comprimi feito bexiga esvaziada,

O vazio toma conta como preenchimento,

Uma tragédia que não pode ser apaziguada,

A dor que cresce no cotidiano, criando sofrimento.

O coração se torna parâmetro desta busca,

Incessante falta de sentido que não se basta,

Um cárcere do sujeito que não possibilita fuga,

Deprimindo a vitalidade no hiato da esperança.

Não encaremos o tempo como adversário,

Jamais como Zeus, o venceremos,

Ele é deveras nosso mais fiel aliado,

Compreendendo-o, nos compreenderemos.

Quem nos falta está presente na lembrança,

A lacuna flagrada serve como disposição figurada,

O pensamento flui e nos oferta suave bonança,

Para logo a seguir sermos arrebatados pela imensa fissura.

As lágrimas secarão, por mais que façamos escorrer,

Veremos a realidade que criamos se modificar,

Nós mesmos estaremos mudando a cada momento do viver,

Mas existirão permanências, mesmo manifestas neste faltar.

A audição estará sensível ao perceber aquela canção,

Sonoridade que faz evocar a memória,

Além de relances formando um pequeno filme em ação,

Criando à nossa maneira essa história.

Decerto teremos a vontade de provar do último gosto,

O aroma efervescente prenuncia um raro perfume,

Acometidos por excitação febril de um desesperado corpo,

Ludibriados pela torrente de emoções lúgubres.

O humor se alterna por influência de tênues motivos,

Horrorizados nesta patologia provocada,

Insinuamos desculpas para aplacar este devaneio doentio,

Simulamos exteriormente uma alegria escarrada.

Protótipos humanistaristas da possessão alheia,

Conspurcardos na ignomínia do que nos escapou,

Falsos apaziguadores da inominável histeria,

Captadores de um impressionismo vulgar que restou.

Atrelados a uma alteridade de caráter seletivo,

Inflamos nosso ego, metamorfoseando compensações,

O outro reflete-me intencionalmente noutro eu competitivo,

Esmoreço frente as idiossincráticas altercações.

Criei um mundo de sonhos e vivo o pesadelo,

Abro as janelas da mente e não capto paisagem alguma,

Ainda assim trato a situação com delicado desvelo,

Fui aviltado pelas ironias hediondas da fortuna.

Clio, invoco a ti para me resguardar do castigo,

Infligido por sua mãe, Minemosine, sem piedade,

Como Orfeu, olhei pra trás, sabendo do perigo,

Infortunado bode expiatório da causalidade.

Minha ousadia custou o sacríficio de Sísifo,

Cada dia executo a labuta de viés cármico,

Sei que irei sempre retroceder, independente do produzido,

Que não seja herança de um gene atávico.

A erudição ilustra o fardo tragicômico,

Resquícios místicos conferem status hiperbólico,

Minha efemeridade inflama um conto,

Quisera ser desprendido feito um estóico.

Como se mata a saudade?

Matamos a nós mesmos primeiro,

Destruindo o criador desse disparate,

Extinguiremos o parasita, que perde o hospedeiro.

Segue o nó na garganta, nó górdio por sinal,

Mas este sem nenhum Alexandre para desatar,

Tornou-se sufocamento em vias de paranormal,

Fenecendo pouco a pouco feito nobre destilar.

Vida amarga degustada pela afliação,

Deturpando os prazeres do gosto,

Enigmático morto-vivo por inanição,

Desatento às delícias do mais libidinoso gozo.

Nunca poderemos nos fazer de arquivos,

Alternamos as informações constantemente,

Hoje me interessa isso e amanhã aquilo,

Nosso cérebro não funciona tecnológicamente.

Tantas canções, pessoas, histórias foram inspiradas,

Depois se tornaram a própria inspiração,

A existência é sedutora pelas condições inusitadas,

Sentimos, somos sentidos, logo, não sentimos, não somos sentidos, então.

Alguns serão rotulados com mais ênfase na sociedade,

Outros só avivarão alguns poucos corações,

Mas independente da proporção dispensada à saudade,

Vale a intensidade manifesta por um instante em emoções.

Não são os olhos brilhantes dos vibrantes apaixonados,

Ou os mistérios que o dito “mal de Alzhaimer” excitam,

Num momento único que lhe será ofertado,

Perceberás como ausências existem e se eternizam.