A Cidade das Miragens
Velho mago dá início à quimera
Magnetismo faz todo metal ranger
Tenda glacial em plena primavera
Lente rouba o sol pra seu calor prender
Jaz no pantanal espectral galera
Prova da presença de ausente ser
Vapor de mercúrio infesta atmosfera
Vida irreal faz a loucura florescer
A poesia é abundante e bela
Louca e benfazeja quanto pode ser
Voa o lençol e leva a donzela
Asas amarelas ao entardecer
Pudica dama na varanda esmera
Eterna mortalha sempre a tecer
Nas treliças os gerânios e a hera
Chiam em murmúrio de louco crescer
No quadro da avozinha uma vela
Mão etérea cuida em sempre acender
Sono prende a todos em funesta cela
Todo pensamento leva a esquecer
Velha índia na cozinha tempera
Velho sentimento de tudo saber
A matriarca trás um chá de espera
Chávena bem cheia à morte oferecer
Insana busca da mulher mais bela
Pensa o banquete que jamais vai ter
Cerra a cortina e fecha a janela
Vida apodrece em negro anoitecer
Nos bananais brilha a ilusória era
Troca o costume a troca de poder
Na porta da negríssima tapera
Canta o angolano todo o seu sofrer
É alada a luz da tarde amarela
Asas de pardais nos vidros vem morrer
Recluso olhar espreita da janela
Nunca foi tão vivo o seu não viver
O fanfarrão à sua amante venera
Festins que atravessam tanto amanhecer
Os animais grunhindo feito fera
Rebentos aos montes os currais encher
Coronel preso ao delírio gela
A morte espera pra lhe socorrer
Desbocada e velha mulher é aquela
Sempre foi de todos e sempre vai ser
Rabo de porco a borboletas amarelas
Amor proibido gera o último a ver
Todo o enigma que a vida toda era
Sua própria história que agora logra ler
E as miragens cintilam nessa esfera
Onde o nada faz o tudo acontecer
E nesse sonho, Ah! Meu Deus! Quem dera
Ainda que um só dia em Macondo eu viver...
Minha modesta e despretensiosa homenagem à grande obra prima de Gabriel Garcia Marquez, Cem Anos de Solidão.