(Num dia qualquer, depois de 05/03/06
ouvindo/vendo “Vagabundo” de Ney Matogrosso,
Pedro Luis e a Parede)
Deixe a palavra, em mim, calma;
não bata palma. Ela, liberta, vaga
entre meus sonhos e devolve
como a bala fria do revolver
o sentido que não quis lhe dar.
A palavra que voa quer sonhar
seus próprios sonhos e não os meus;
quer os seus próprios sentidos.
Escrita em tinta preta o olhar
fere, mas não lagrimeja mais o teu...
que quer entender; teus ouvidos:
ferem-se, se lidas, com os duplos sentidos;
que talvez nem existam. A palavra,
mais sábia que nós, não tem ruído;
guardam-se nos dicionários, são lavras...
donde saem os diamantes.
Deixemo-la lá, calma e quieta,
vamos usá-las, se bem, com a exata;
tradução do seu sentido. Os amantes
perdem-se por seu mau uso. A fresta...
o hiato da palavra é o ato, o gesto!
Por isso não mais me presto
a usá-la. O silêncio tem sido conselheiro!...
Canto, quando o faço, no banheiro
as canções dos outros.
Quando bebo e quero vomitá-las
sou mal entendido ou entedio!...
E fico assim e aqui sozinho
com elas todas presas na garganta.
Como triste fica a planta
que, na jardineira, nunca brotou!