Epitáfio para um amigo imginário
Como forjar o arrepiou da pele frente às gotas de chuva?
Como forjar coragem frente às barbas do medo?
Como esquecer da falta de ar ao engatilhar o cobiçado beijo?
Como esquecer o cheiro do sexo impregnado mesmo após o banho?
Há tantas coisas que podem incitar a vertigem;
Até mesmo para um amigo imaginário, uma sombra.
Há tantas coisas que podem ludibriar a lucidez;
Até mesmo para um cônego, um estandarte;
Mas não um daqueles confeccionados em manufatura
Urdida pelo tear da aliciação, aquele de inerme mote.
E sim aquele trançado a partir do fidalgo linho
Que por persistência da vocação é emplumado.
Como poupar-se das gafes ao encontro do auto-conhecimento?
Como poupar-se da frustração á espreitar o encalço da fortuna?
Como confiar na fresta entreaberta entre a cela e a fuga?
Como confiar na areia que assovia pelos vértices da ampulheta?
Há tantos segredos incrustados entre o riacho e a relva;
Até mesmo para a enxurrada que á ambos farta.
Há tantos ressentimentos á fecundar desventuras;
Até mesmo para um infausto que julgou todas desbravar.
Um soldado iconoclasta, centelha da submissão;
Entrincheirado nos poços de enxofre,
Vomitados de lucíferas bocarras,
Arrebatadas da humana ostentação.
Como deixar o para trás o aconchego do lugar comum?
Como deixar diminuído o inelutável?
Como ser o algoz da própria assunção?
Como ser agente e não apenas recordação?
*dedicado à obra de Fernando Pessoa