A desfragmentação
O sol se pôs hoje mais uma vez
E a casa fria e vazia não viu você entrar
Nem as coisas tiveram vida
Sem sua presença para lhes dar
Porque sem você nem meu coração
Consegue bater direito
Vai forçadamente vivendo
Enquanto saio a tentar ouvir
No silêncio das coisas
Nos longes que me emudecem
A tua voz e sentir sua companhia
Numa época passada...
Você esteve aqui...
E agora eu deito ao lado da cama
Para não desmanchar o relevo
Nas coxas e lençóis
E travesseiros meio atravessados
Configurados por teu último sono
Aqui, aqui nessa cama, tão vazia, além de tua última lembrança...
Eu escrevo teu nome nas águas
E elas mudam de cor
E olho para as flores
E levando os olhos para o céu
Sem fazer nenhuma pergunta...
Eu passei o dia esperando
Talvez você tenha se perdido pelo caminho
Talvez você nunca mais voltei
As vezes eu penso que já enlouqueci
E não encontro mais a rasão para guiar meus pensamentos
Neles você aparece, e teu sorriso
Emite uma luz que faz as trevas sumirem...
A noite se estabeleceu de vez
Sobre essa casa
Não acendo as luzes
Me sendo num canto e fico esperando talvez
O sono
Talvez a morte
Talvez esquecer que um dia estivemos juntos
E vivemos aquilo tudo...
A noite passa e não sinto vontade de olhar as estrelas
Saio a caminhar no escuro
Enquanto a cidade dorme eu ando
E vejo os mendigos se cobrindo com papelão
Talvez estejam embriagados
Talvez também eles um dia tiveram
Momentos felizes como nós
E de tanto procurarem
Ou por terem desistido de tudo
Ou por terem enlouquecidos
Resolveram dormir na terra
Sentindo o calor do globo
Como do seio de uma mãe
A única coisa que poderia,
Talvez mitigar a ausência
Tal qual eu sinto agora e sempre
De ti...
De tuas lembranças,
Sabe, percebi que estou me esquecendo das coisas
Por isso resolvi escrever teu nome
Nas cartas que escrevo para ti
Mais de uma vez,
Teu nome e tua descrição
E também alguns fatos sobre nós
Como quando andávamos até o córrego
E ficávamos como Lídia e Pessoa
E isso nos bastava...
Eu as releio todos os dias,
E sempre escrevo outra a mais,
Enquanto me lembro,
Mas tem sido cada vez mais difícil,
No início eram mais longas,
Agora se reduzem a duas ou três linhas...
Na verdade não sei mais de onde vim
Nem sei voltar para casa
Nem a quanto tempo durmo pelos cantos da cidade
As vezes afastado de todo o barulho,
Distante, nas estradas vicinais...
E tudo que tenho é tua lembrança,
Sempre renovada, com um esforço cada vez maior
De teus traços
Que não sei mais imaginar
Eu cheiro essas letras
E por mais perdido que eu esteja
Essa tem sido minha única certeza
A de que um dia você me amou...
Mas eu não sei, de verdade eu não sei
Talvez eu seja só uma lembrança
De alguém
Um sentimento dentro de um poema mal escrito,
Amor..