As duas mãos...
Existe um velho dentro de mim,
Sempre elucumbrado, de alma distante...
E eu ando por essas ruas
De dia e de noite,
No alvorecer, é tão bonito o alvorecer...
Mas este velho, envergado pelas vergonhas que causou a si mesmo
Pesa, que fardo, meu Deus, que fardo.
Não consigo me desvencilhar dele,
Em toda curva ele tende a me diminuir a velocidade,
A encumpridar a vista,
De solaio, sim, ele me faz a tudo olhar de soslaio,
Com desconfiança,
De alguma forma ele está liamado à minha alma,
Ao meu pensamento,
Fazendo escrutinar os escuros,
Rasgando-os às vezes,
Quando não a luz que nos ilumine,
Sim, nós, é forçoso admitir,
Mas somos nós,
Um velho envergado pelas vergonhas de ter vivido certas coisas inconfessáveis,
No entanto, eu as sei,
Detalhadamente, cada coisa que o faz se envergar diante da Existência,
Eterna, a existência é eterna,
E cada um carrega em si o fardo de si ter sido,
Cada um de nós,
Segredo, escuros segredos, presentes em cada momento
Da existência fluídica contínua, sem intervalos para não ser...
Carrego comigo esse velho,
Essse velho me carrega,
E eu não sei os caminhos,
Vamos andando como dar,
Fazendo uma trajetória única,
Marcando o chão com nossos pés de fogo...
Existe um menino que nos acompanha,
Silencioso como o fundo de um abismo escuro,
Parece que memorizando tudo que fazemos,
O velho, eu,
O menino que parece que vai marcando
Numa caderneta espectral
O de aproveitável de nosso viver,
Aquilo que pode ser universalmente ético,
E desprezando a maioria de nossas ações,
De nossos pensamentos,
Ele ver nitidamente tudo que pensamos,
Nossos sonhos e nossos pesadelos também,
Um menino,
Gente, um menino é nosso Juiz,
Ele que ainda não sabe nada da vida,
Quase nada,
Quer, a patir de nós,
Marcar os pontos certos que vivemos,
E então, traçar uma curva que se desvie o máximo possível
De nossas vergonhas,
E se aproxime o máximo possível do que vivemos de mais ético,
Categoricamente,
Quando mais pontos anotados ele tiver,
Eu percebi isso nele,
Apesar dele nunca falar,
E de andar a meia distância de nós,
Como se quisesse que não o percebessemos,
E realmente isso acontece,
Às vezes eles some,
Some no escuro do desconhecido,
Porém, como uma força magnética,
Que vai também influenciando nossa trajetória,
A minha e a do velho...
Quando mais ele souber de nós,
Mais elementos vai ter a que desprezar,
Minha vida nunca foi reta,
Nunca se ajustou a qualquer movimento,
É como se eu de repente sumisse
E aparecesse muito tempo depois,
Num lugar totalmente novo,
Sem saber como cheguei ali,
Mas o velho,
Mas o menino,
Como astros me orbitando,
Ora perto, ora longe,
É que vão determinado
Certas faces que levo comigo...
E assim, mas não completamente,
Cada dia que ando por essas ruas
Vai sempre em meu pensamento,
Falando ou não com alguém,
Dormindo ou acordado,
Ou mesmo dentro do sono sonhando que estou dormindo,
E que também estou sonhando,
Cada coisa vai se fazendo,
Às vezes, aparentemente, sem minha vontante,
Como chorar ardentemente,
Assim, de repente, sem ter ora ou lugar,
Ou ser grato vendo as flores,
Ou ser grato abraçando e beijando meus cãs,
A casa às vezes é tão grande...
A casa, sabe, às vezes está tão cheia,
E eu não esqueço,
Em qualquer estágio que esteja
Que sobre tudo que faço
Tem um velho de face dolorida me envergando
E um menino, de muitas faces e etnias
Pois é assim que ele se mostra
Transformado a cada vez
Que se deixa transparecer
Seu espectro aos meus olhos doloridos
Enquando vou indo,
Continuamente, meus amigos,
Com a boca muitas vezes seca
Com a boca muitas vezes amarga
Com a boca muitas vezes chegia de palavras jamais ditas,
Não sei,
Não sei para onde,
Mas vou, vou porque viver é ir, per para sempre...
Para sempre, meus amigos,
Mesmo depois da morte, ir, ir como um raio
Ou como um desmoranamento
De tudo que um dia fomos,
De repente, sem aviso
Dentro de nós...
E nós ficamos assim,
Como a deriva,
Mas não,
A no leme que nos leva para onde vamos
A mão seca e pesada de um velho,
A mão santa e leve de um menino...